segunda-feira, 3 de julho de 2017

LIVRO: HAMBRE DEL ALMA - Escritoras e o banquete de palavras - CARLA CRISTINA GARCIA

Carla Cristina Garcia 

Garcia, Carla Cristina. 1ª ed. Limiar, 2007
149 páginas 

Falei na última postagem sobre este livro. Então segue um pouco sobre ele. 

Um belo livro sobre o feminino. Carla nos fala dos espaços e da criatividade. Sempre foi dito pela cultura patriarcal que a cozinha é um espaço de confinamento da mulher e o que a autora nos mostra é que pelo contrário, é um espaço de criatividade e libertação. 

A escrita também é uma forma de liberdade e normalmente também se produz na casa, mas é capaz de nos levar muito longe. 

A arte e a criatividade é uma forma de libertação e de possibilidade de um conhecimento que vai muito além do que podemos aprender na rua, no exterior, mas o mais importante é a união de ambos os lados. Garcia nos chama de volta ao corpo, não no sentido do culto da beleza do corpo, mas como a nossa morada e onde sentimos, temos percepções do mundo exterior e interior, o físico e o espiritual se unem no corpo. 

A Hambre del alma, a fome da alma, é algo que muitas mulheres sentem, e penso que os homens também, pois costumo ver o feminino como sendo algo que é do humano, assim como o masculino, e não separando isto, rejeitando desta forma a dicotomia cartesiana, a mente e o corpo, ou qualquer outra dupla, pois acredito no múltiplo. Somos muitos em um só.

Dentro da cultura patriarcal a mulher foi confinada ao lar e o homem ao mundo. Ele era o intelectual, o que escrevia, que criava, o ativo, e a mulher o passivo. O que Carla nos mostra neste belíssimo livro é que as coisas não foram exatamente assim, e as mulheres sempre encontraram formas de criar também, mas usaram outra linguagem. 

Ela nos fala das receitas e de comida. A comida que nos alimenta, tanto o físico como a alma. A sociedade dividiu a gastronomia internacional e seus chefs de um lado e considereou a culinária caseira como sendo nutrição, dia a dia, não uma arte. Mas será que é assim?

Na introdução há uma abordagem muito interessante sobre a anorexia que viria a substituir a histeria do século passado, ou seja, um protesto das mulheres contra sua situação cultural. "A anoréxica sente não ter domínio sobre o próprio corpo e almeja se tornar ditadora ou tirana desse reino só seu." O corpo da mulher é usado como uma forma de poder, de controle, o que acaba levando a compulsões como dietas, exercícios físicos até seus quadros mais graves como anorexia e bulimia. Outra faceta é a tentativa de manter seu corpo puro almejando a ascese espiritual, esquecendo que é justamente no corpo que as sensações se produzem, o amor, o prazer, aliás, este justamente é o grande vilão. 

Adélia Prado é citada no livro: "Se me dessem licença de comer eu me curava, virava gente grande". 

A mulher tem fome, é esfaimada. Garcia vai nos falar então de como escritoras saciaram esta fome da alma através da escrita, mas também da culinária e da arte. Nos fala de Virginia Woolf, Laura Esquivel e Nélida Piñon. A narrativa é uma cura, e os cadernos de receitas muitas vezes trazem diários embutidos neles, observações e frases; além de toda a arte, por que os grandes chefs são científicos, medem seus ingredientes, mas a mulher os coloca sentindo o sabor na boca, e ela sabe quando está pronto. A cozinha é um local de criatividade, de narração, as receitas contam histórias, a comida sociabiliza, acolhe, é amor, é nutrição para a alma. A comida une o público e o privado.

Infelizmente a modernidade afastou a mulher da cozinha, além de modismos, dietas que visam falsamente a purificar o corpo ou a alma, o que realmente importa é comer sem culpa e com isto alimentar a alma. 

Há vários filmes citados no livro como "Tomates Verdes Fritos", Como água para chocolate", "A festa de Babette" e também livros, todos atendendo esta fome.

O livro trata realmente de como fazer comida para a psique, de como alimentar esta alma esfomeada. Um belo livro.  
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