segunda-feira, 4 de agosto de 2014

LIVRO: OS ENAMORAMENTOS - Escutando o outro



Marías, Javier. Companhia das Letras, 2012
Tradução: Eduardo Brandão
344 páginas.

Relação com o outro - o amor - as ilusões 

O que mais me chamou a atenção neste livro de Javier Marías é que ele é narrado pela ótica de María, mesmo quando se trata de falar de outro personagem é sempre o que ela vê e pensa. 

É o que normalmente fazemos e como nos enganamos. Escutamos ao outro nos escutando, através da nossa subjetividade e não o que realmente o outro está falando. Rubem Alves já dizia que seria bom termos cursos de escutatória ao invés de oratória. Enquanto o outro fala já estamos pensando no que dizer, responder, no que faríamos se fosse conosco, ou então estamos elaborando uma crítica ao outro, sem nunca parar para pensar no que o outro está falando dentro do contexto dele. Como é difícil fazer isto. 

Milan Kundera também escreveu um livro sobre isto: "Risíveis Amores". Que falta de encontro, que falta de compreensão, e quantos enganos. 

E quando nos enamoramos é pior ainda. Ouvimos o que queremos ouvir. Mas há também o outro lado, será que ele ou ela fala a verdade? nunca conseguimos saber realmente. Imaginamos, conjeturamos, deduzimos, as palavras tem significados diferentes para cada um e tudo isto leva ao desencontro. 

Desejamos ouvir algo e preenchemos as lacunas com nossa imaginação, fantasia. 

Marías vai mais longe, ela ama alguém que ama outra, então ela fantasia eliminar esta outra, deseja que ela morra. Quem já não sentiu isto? Por que ela e não eu? então se ela morrer eu estou aqui, e ele vai olhar para mim. Doce ilusão amarga. Quando desejamos ser amados queremos eliminar o rival ou a rival, isto desde a infância, onde inconscientemente desejamos eliminar o genitor que interfere ou o irmão ou a irmã, e isto nos acompanha pela vida, na fantasia, na imaginação e alguns no ato. 

Quando estamos apaixonados interpretamos sinais e palavras conforme o que desejamos e não de acordo com o que é. Mas quanta confusão, e se forem realmente sinais amorosos e eu não der atenção? Quanta dúvida. Será que o que ele disse é uma indireta? é algo para eu compreender? e que agora não sei se é ou não é?

Quantas vezes fiquei sem saber o que era real. Imaginei algo e era outra coisa. Dias atrás uma pessoa me disse : é bom compartilhar a comida e eu ouvi é bom compartilhar comigo. Era o que eu desejava, não era o que estava sendo dito. Outra vez me responderam sobre algo que imaginei ver: é a realidade, mas não é real! até hoje não decifrei esta resposta. 

E as suposições então, que terríveis são. Vemos algo e imediatamente já temos a história formada em nossa mente ou coração, e sofremos muitas vezes à toa. As dúvidas, acredito ou não? 

Meu único consolo é que se eu fico nesta situação o outro também está. Gostaria que fosse mais fácil, mais direto, que não houvesse tanto desencontro. Aprender a ouvir é uma arte, é escutar o outro e não a si mesmo, é deixar o outro falar e pensar no lugar dele, ter empatia. Toda vez que algo fala em nós é porque é conhecido nosso e isto não garante que seja do outro. Muitas vezes o outro te diz coisas alegando serem suas, mas que na verdade são dele. 

Aprendi a moderar minhas interpretações, procuro pensar e repensar, tentar ver o outro antes de falar algo, mas as vezes quando algo bate em mim arrisco falar, mas informando que foi uma impressão que me ocorreu o que não quer dizer que vá fazer sentido para o outro. 

Há muitos anos atrás fiz um curso de secretária e em uma aula de comunicação o professor disse  algo que nunca esqueci: Nunca diga "é", diga sempre "está", pois o está permite mudança, e o é é assertivo e taxativo. É uma pequena regra que ajuda muito na convivência com o outro. Dizer: você está sendo.... é diferente de dizer você é..... 

Sempre me lembro de algo bem conhecido, em uma esquina ocorre uma batida de carros e há 05 pessoas, e cada uma delas irá contar uma versão diferente. Mais próximo ainda, quando dois irmãos falam de sua mãe eles retratam uma mulher totalmente diferente e que ainda não é a mãe como ela se vê. 

Será que é possível realmente enxergar ao outro? Esta é uma lição de humildade que temos que aprender, e que tem que balizar nossos julgamentos e críticas. O que vemos nem sempre é a realidade.

Neste livro temos esta questão em relação ao enamoramento. Quanta ilusão criamos quando estamos apaixonadas. Vemos coisas de uma maneira que se não fosse o fato de estar apaixonada jamais seriam interpretadas desta maneira. O véu que cobre tudo, o ideal que buscamos, o desejo. O quanto nos submetemos para conseguir realizar o desejo, o quanto deixamos de existir. Um relato cru do apaixonamento.

Mas não fosse toda esta ilusão conseguiríamos nos apaixonar?  alguém que não nos refletisse nos interessaria? ou refletisse o que desejamos para nós? No fundo amamos a nós mesmos, o que somos ou o que gostaríamos de ser. Somente após esta desilusão é que se torna possível amar ao outro, como ele é, com defeitos e qualidades, mas nunca o perfeito que vemos no início. Somos narcisistas e egoístas.

O interessante é tentar se lembrar do que foi que vimos no outro a cada vez que nos apaixonamos. Qual era o traço? o sorriso? o som da voz? o intelectual? a simplicidade? porque isto nos dá uma ideia do que gostaríamos de ser ou do que gostamos em nós. Também buscamos os traços daquele que primeiro amamos, geralmente a mãe.

Nos apaixonamos por um traço só que ele passa despercebido, descobri-lo nos ajuda a vermos melhor o outro. Também temos os traços que nos afastam, e isto também é interessante conhecer. Geralmente o que não gostamos no outro é algo que não gostamos em nós mesmos. Claro, nem sempre é assim, há coisas que repudiamos e não fazem parte de nós, apesar de que é difícil dizer isto, porque até mesmo o lado cruel que repudiamos está em nós, por mais que ele não atue normalmente, há sempre um momento que pode aparecer. Por isto nos deixamos ser afetados quando temos uma relação de afeto com alguém, seja de amor ou de ódio.

domingo, 3 de agosto de 2014

LIVRO - DIÁRIO DO LUTO - sobre o luto


Barthes, Roland. 1ª ed. Editora WMF Martins Fontes, 2011
Tradução: Leyla Perrone-Moisés
264 páginas

Luto - Separação - Perdas 

Barthes escreveu este diário quando sua mãe morreu, de 26 de outubro de 1977, dia seguinte a morte de sua mãe até 15 de Setembro de 1979.

Quando li pela primeira vez o livro minha mãe estava viva. Ao comentar com meu analista sobre esta leitura, se não pareceria lúgubre demais ele me disse que talvez fosse uma forma de eu me preparar para algo que poderia acontecer ou não.

Na segunda vez que li o livro minha mãe havia falecido. Ela tinha insuficiência cardíaca e nos últimos dois anos ela sentiu muito falta de ar, já não conseguia andar muito sem se cansar e passamos a leva-la em uma cadeira de rodas para que pudesse continuar a passear e ir aos lugares que gostava, como o supermercado.

Não é fácil perder a mãe, por mais que se diga que é a lei natural das coisas. Fui eu quem a encontrou em sua cama de manhã. Ela morreu dormindo, e como se diz, foi uma bela morte. De certa maneira atendeu ao meu desejo, eu não queria que ela morresse em um hospital sozinha, queria que fosse em casa. Mas o choque não foi menor apesar do preparo. Sabíamos que poderia acontecer a qualquer momento, já havíamos sido alertados por seu médico desde o início, e ela viveu mais 09 anos. Nos últimos tempos deixamos de nos preocupar com o que ela comia ou fazia, queríamos que ela pudesse fazer o que desejava e ter qualidade de vida. Minha mãe era lúcida e ainda teve a oportunidade de voltar à Bélgica em 2010 numa viagem onde todos nós conhecíamos os riscos, inclusive ela, para rever sua irmã após 30 anos sem se encontrarem. Foi muita emoção. Ela faleceu com 84 anos em 2012. 

Vivi toda minha vida ao lado dela, sou filha única, e mesmo enquanto estive casada ela morava conosco. Não posso afirmar que isto foi fácil ou até mesmo bom, mas eu não consegui me separar dela, toda nossa família estava na Europa e meu pai faleceu quando eu tinha 15 anos. Isto gerou muitos atritos entre nós, mas ao final nos reencontramos e isto foi muito bom.

Difícil foi depois de sua morte. Meu luto foi complicado e talvez por eu saber que seria assim parece que eu estava mesmo me prevenindo quando li Barthes a primeira vez, ainda mais que ele também era filho único e vivia com sua mãe. Para ele não foi nada fácil e muitos dizem que acabou se suicidando, ou melhor, se deixando morrer, após ter sido atropelado. Ele não soube viver sem ela.

Eu aprendi, ainda estou aprendendo. Logo no início ouvi muitas pessoas me dizendo que tinha que tocar a vida, que não fui eu quem morri, que tinha que viver. Porém, eu penso que o luto é algo que deve ser vivido do contrário ele pode se tornar patológico. Os rituais de separação devem ser feitos por mais que demorem. Somente assim conseguimos seguir em frente como tanto me diziam.

Eu não conseguia entrar em seu quarto no início. Mas com a decisão de nos mudarmos da casa onde ela faleceu fui obrigada a enfrentar e não foi nada fácil. Era muito doloroso mexer nas suas coisas. Parecia que eu estava invadindo uma vida, uma privacidade. O cheiro dela ainda estava nas roupas, a bolsa dela foi o mais difícil, e quando o fiz encontrei uma bala melando no fundo da bolsa, um resquício de algo que ela guardou para seu prazer. Retirar suas roupas e doá-las também não foi fácil. Como eu morei a vida toda com ela a casa era praticamente dela, sempre digo que em uma casa só cabe uma mulher para ser a dona dela, as outras moram ali. Meu maior desejo era ter meu canto, minha casa, eu estava com 51 anos, mas o que parecia poder ser a libertação se transformou em algo muito dolorido. Eu não me empolguei com a primeira casa que tive após sua morte. Pelo contrário, parecia que eu brincava de casinha de bonecas, e até a casa parece que escolhi levando em conta tudo isto, ela ficava num buraco e a apelidei de João e Maria pelo seu estilo. Não é possível usufruir uma liberdade em meio a dor, onde esta fruição de liberdade se deve a uma perda.

Não consegui de imediato me desfazer de todas as suas coisas, ainda mais que ela era uma guardadora de coisas. No primeiro momento enviei 08 caixas grandes para doação. E carreguei o restante comigo na mudança.

Quando me dei conta eu decorei a casa no estilo dela, coloquei a louça nos armários da cozinha como ela colocava, e pior, quando eu ia ao mercado comprava as coisas que ela sempre comprava e queria. Comecei a introjetar minha mãe. De repente me senti ali enterrada com meus pais. Eu havia passado por uma depressão grave em 2011, como nunca pensei que fosse possível. Descobri a diferença entre a tristeza e a depressão. Fui tratada por um psicanalista, um psiquiatra e uma terapeuta e nada disto tudo resolveu alguma coisa naquele momento. Mas falarei disto em outro momento. Em 2012 quando minha mãe faleceu eu acabava de sair desta depressão e estava retomando o gosto pela vida.

Mas frente a tudo isto percebi que recomeçava a afundar. Eu não tinha mais ânimo, nenhum desejo, não sabia o que eu queria e o que poderia fazer. Não cheguei a arrumar a casa toda, muito ficou em caixas. Foi então que meus filhos percebendo tudo isto propuseram que eu me mudasse para outro lugar. Jurei para eu mesma que encontraria uma casa que tivesse a minha cara e foi o que aconteceu. Mudei-me para outra cidade menor do que a capital onde eu vivia, dentro de um condomínio de casas assim teria segurança vivendo sozinha e entorno mais acolhedor. Era um risco, eu sabia, ou dava certo ou eu afundaria na solidão de vez, mas deu certo.

Esta casa é gostosa, arejada, clara e tem a minha cara, com varandas na frente e atrás, um jardim e quintal, janelas de madeira, venezianas, tudo que eu gosto. Minha labradora tem espaço e pode ver pessoas novamente, pois na outra casa além de tudo havia um murro enorme e cinza em torno que não permitia ver a rua. Neste processo todo adotei uma cachorrinha que foi abandonada, e sempre digo que ela é meu anti-depressivo, pois é muito alegre e levada. E foi nesta casa que consegui finalizar e me desfazer de muitas coisas de minha mãe. Escolhi as que eu realmente queria para guardar, o que realmente me agradava e que também fazia parte de minha história, como alguns quadros, enfeites, e o restante doei.

Comecei lentamente a trocar a louça e a roupa de mesa e banho. E comecei a comprar enfeites e coisas para a casa que tivessem minha cara. Isto me salvou. Adoro o lugar e a casa onde moro. Mas não foi fácil, e durou mais de um ano tudo isto.

Troquei as fotos dos porta-retratos por fotos minhas e de meus filhos e neto. Só tenho uma foto dela na casa. Comecei a ouvir música e fui me apoderando da casa o que era novidade para mim. Eu considerava meu quarto o meu espaço, e se apoderar do restante da casa foi um processo lento também. Comecei a cozinhar coisas que eu gosto e tive que aprender a diminuir as quantidades, a comprar os produtos que eu gosto e uso. Mudei a disposição das coisas nos armários de cozinha, e pude colocar coisas que antes ficavam guardadas. Eu pensava: quando meus pais vieram da Europa para cá trouxeram algumas poucas peças de seus pais como lembrança, pois então é o que eu vou fazer também, guardar algumas poucas peças.

A única coisa que ainda não me acostumei é a comer sozinha na mesa. É muito triste isto e então opto por comer assistindo um filme, assim tem vozes. O próprio Barthes em outro livro dele " O rumor da língua" diz que "A conversação(em grupo) é de certo modo a lei que protege o prazer culinário de qualquer risco psicótico e mantém o gastrônomo numa 'sã' racionalidade: ao falar - ao tagarelar- enquanto come, o conviva confirma o seu eu e protege-se contra qualquer fuga subjetiva pelo imaginário do discurso." (citado in: Garcia, Carla Cristina. Hambre del Alma. Limiar, 2007). Muitas vezes quando eu comia sozinha era o momento onde eu mais percebia o vazio e a solidão, olhava para o sofá onde minha mãe costumava ficar e aquilo era terrível, eu sentia algo muito doloroso em mim. Pelo menos quando assisto a um filme ouço vozes, e não sinto este vazio. 

Minha mãe foi cremada conforme seu desejo, e isto resultou numa situação complicada. Ela nunca disse onde gostaria que suas cinzas fossem jogadas ou colocadas, então eu tomei a decisão que iria levar a urna com suas cinzas para colocar junto ao meu pai. Ocorre que meu pai está enterrado em outra cidade em outro Estado e levou dois meses para poder levar a urna. A urna na casa acabou causando algo ruim, era um morto insepulto. Não era o lugar certo e senti isto na pele. Como disse meu analista na época, também era um velório muito longo. Depois que cumpri este ritual me senti melhor.

Também convivemos com os fantasmas durante um tempo, e não se trata de alucinação ou delírio. Faz parte do processo de luto, ainda mais quando é um luto que está sendo vivido de forma solitária. Eu ouvia a voz de minha mãe, sentia o cheiro dela, acordava com barulhos como se fosse ela, e quando mexia em suas coisas parecia que ela me jogava as coisas na cabeça, eu me machucava, as coisas caíam no chão.

Um ponto que Barthes levanta é sobre o fato do filho que cuida da mãe. Ora! é uma inversão de papéis, o filho passa a ser uma mãe. Então a perda é como perder um filho, e ista é a perda mais dolorosa que existe. Eu passei por isto e me aconteceu de dizer ao médico de minha mãe ao telefone que era a mãe dela que estava falando, um lapso que dizia como eu me sentia. Nos dois últimos anos meu maior medo era sair e chegar em casa e encontrá-la morta. Não foi assim, mas ainda assim a encontrei morta de manhã, numa posição muito serena, ela partiu dormindo, nem se deu conta.

O luto nunca acaba, mas aos poucos vamos vivendo e se separando da pessoa amada que perdemos. Vamos recriando a vida e construindo novas formas de viver. E ler livros sobre o assunto ou assistir filmes nos ajuda e muito, pois é uma forma de compartilhar de uma dor e percebermos que todos perdem entes queridos e amados e que temos que passar por isto em algum momento. Mais tarde li A História de uma viúva onde Joyce Carol Oates também fala da perda de seu marido e do processo de luto. Falarei deste livro também mais adiante, porque há um momento que sentimos raiva e isto tem que ser aceito e expressado, mesmo que todos achem isto um absurdo, não importa, é necessário colocar para fora. 


Oates, Joyce Carol. Objetiva, 2013 - Selo Alfaguara
Tradução: Débora Landsberg
453 páginas
Título original: A Widow's Story

JOSÉ E PILAR - FILME E LIVRO - POSSO FALAR O QUE PENSO


  A relação com o outro - O Sujeito 

O Filme documentário José e Pilar e o livro Conversas Inéditas José e Pilar ambos de Miguel Gonçalves Mendes.


Li primeiro o livro e depois assisti ao documentário. Confesso que aprecio mais o livro, pois ele trata de coisas mais pessoais do que o documentário que me lembrou muito Cadernos de Lanzarote escrito por Saramago onde ele fala muito de sua vida profissional como escritor. Na realidade ambos se complementam.


Pilar del Rio  é uma mulher vibrante, forte,racional, extraordinária, não tem medo de dizer o que pensa sobre um assunto, mesmo quando discorda de Saramago. E há o amor que une estes dois, belo, generoso, maduro. Ambos são engajados nas questões do mundo o que hoje em dia falta muito.

Pilar conheceu Saramago quando ele já tinha 63 anos e ela 36 anos , e este é o primeiro ensinamento, não há idade para o amor e para o desejo. Nos iludimos buscando alguém muitas vezes por achá-lo bonito ou jovem, e isto é um dado cultural que privilegia a beleza e o corpo e não o que esta pessoa é e o que pode nos ofertar generosamente de si mesma. Saramago se questionou sobre isto, mas não o impediu de se entregar ao amor desta mulher e acreditar nele e no que sentia.

Mudaram-se para as Ilhas Canárias, Lanzarote onde construíram sua casa e a biblioteca. As bibliotecas normalmente mexem muito comigo, eu amo uma biblioteca e tudo que ela transmite. Quando sinto a ansiedade tomar conta de mim procuro uma livraria, uma biblioteca, e me acalmo. Estou acolhida, estou entre amigos, e há algo dentro de mim que me guia diretamente para o livro que preciso naquele momento. Eu vejo um livro, alguém me mostra um livro, algo me atrai diretamente para ele, não preciso ficar procurando. É um namoro, um caso de amor também esta minha relação com os livros.

O cenário em torno da casa, as montanhas, uma ilha vulcânica. Saramago se propõe o desafio de subir a montanha e o consegue. Quantas vezes dizemos que não temos mais idade para algo, não vamos conseguir e nem tentamos? Em 2009 fui para Florianópolis nas férias e junto com uma grande amiga fomos para a praia dos Naufragados. Esta praia só se tem acesso pela trilha ou por barco, e resolvemos ir pela trilha, um dia após um temporal e portanto havia muita lama. Para chegar a praia era preciso subir e descer um morro, e nem por um momento hesitei. Não foi fácil, mas consegui, e chegar à praia foi uma vitória, correr até o mar para tirar o barro esfregando com areia e água, foi muito bom. São nas pequenas coisas que está a alegria de viver, ou como se diz na França: la joie de vivre. Este episódio me deu duas coisas: uma alegria interna que veio de vencer o desafio e perceber que é possível, não na mesma velocidade de antes, mas é possível, e andar pela mata, atravessar um riacho, dar de cara com uma cachoeira, os sons, os cheiros, eu teria perdido tudo isto se não tivesse ido e isto vem do externo, da beleza natural.

Pilar e Saramago nos falam da vida, da morte, de Deus, da política, da religião, do mundo e deles. Pilar nos diz que a morte é algo já conquistado, a vida não, esta é necessário conquistar a cada dia. Temos medo de morrer, mas na verdade o que temos realmente é medo de viver. Morrer vamos de qualquer maneira, então por que temer? todos irão morrer, mas viver, quantos de nós realmente vivemos?

A liberdade de falar, de dizer o que realmente se pensa. Que importa o que os outros irão pensar? por que nos deixamos afetar tanto pela opinião dos outros? Porque ficamos presos a esta demanda de agradar ao outro e ao desejo de sermos amados? E neste caso ser amado não seria ser o ideal do outro aos seus olhos? e não nós mesmos? Em vários momentos Pilar e Saramago tem pensamentos diferentes, mas isto não os afasta, pelo contrário, os aproxima.

Por outro lado fiquei pensando no fato de Pilar passar a dedicar sua vida à Saramago. Ela é uma jornalista, mas foi com ele e passou a cuidar de sua agenda, fazia traduções de seus livros, organizou a biblioteca. Pode parecer num primeiro momento que ela abre mão de sua vida em prol da dele, mas será isto? As vezes precisamos ocupar este lugar que não tem proeminência, existimos sim através do outro também.

O mais importante para mim neste livro foi que como tenho muitas dificuldades em falar o que penso comecei a perceber que isto é possível, sem que com isto o outro deixe de gostar de mim, e se por acaso isto acontecer é porque não era para ser algo bom.

Mas é apenas o primeiro passo neste aprendizado de crescer.

Mendes, Miguel Gonçalves. Companhia das Letras, 2012
Tradução: Rosa Freire D'Aguiar
224 páginas.

Assista ao documentário: https://www.youtube.com/watch?v=iesonOSVTBQ

Direção: Miguel Gonçalves Mendes - 2010 
Duração: 125 min 





Buscando a si mesma

Em 2005 tive uma crise, acordei no meio da noite sem respirar, crise diagnosticada como pânico. Além disto eu passei a ter verdadeiro pavor de aviões e elevadores. Ocorre que meu trabalho no turismo exigia ambas as coisas, aviões nas viagens e elevadores no dia a dia do meu trabalho.

Foi o início de uma busca de compreender o que se passava comigo. Primeiramente fui tratada por um médico psicossomático por quem nutro um grande respeito, apesar de ser contra medicação para resolver questões psíquicas ou da alma.  O que gostei neste médico foi que ele foi honesto, disse que estava tratando as consequências, e que eu deveria encontrar a causa. Durante um ano tomei remédios para conseguir perder o medo de morrer e ter condições de iniciar minha busca pela causa que acabou me levando em 2007, após passar por uma terapia holística, a buscar ajuda na psicanálise.

Sou uma pessoa racional, mas que não dispensa de forma nenhuma o lado sensitivo das coisas, a emoção, a sensibilidade, as sensações, a satisfação e o prazer.

Sou filha única, quando criança tive que fazer uso da imaginação para criar um mundo para mim, amiguinhos imaginários, eu vivia num mundo de sonho, mas aos poucos o racional também se firmou, e hoje convivo com os dois, ambos são fortes, o racional e a emoção, a mente e o corpo, o psíquico e a alma.

Filha de pai francês e mãe belga, viajei muito, sempre li muito e gosto de filmes. Há momentos que leio para estudos, mas o que mais aprecio é ser uma leitora, viajar pelo livro, projetar algo meu nele, assim como nos filmes. Quando viajo acabo sempre tendo impressões pessoais, experiências estéticas e do meu inconsciente, e é sobre tudo isto que vou falar neste blog, porque foi assim que dei início a uma busca pela "causa", mas também para me compreender, saber um pouco mais de mim. Além da análise eu busquei em livros, filmes, viagens, na arte, na música, nas lembranças, na culinária, nos sons, cheiros, sabores, a resposta, resposta esta que nunca será completa, mas que a cada dia se elabora mais, e eu me torno um pouco menos estranha a eu mesma.

Se quiserem me acompanhar, sejam Bem Vindos a esta experiência de vida de uma mulher que está com 53 anos, divorciada, tem dois filhos, um casal, que viveu com sua mãe até os 51 anos quando ela faleceu, é formada em Administração de Empresas, estudou um pouco a psicanálise, antropologia e filosofia, além de ler muito.

Chris