domingo, 3 de agosto de 2014

JOSÉ E PILAR - FILME E LIVRO - POSSO FALAR O QUE PENSO


  A relação com o outro - O Sujeito 

O Filme documentário José e Pilar e o livro Conversas Inéditas José e Pilar ambos de Miguel Gonçalves Mendes.


Li primeiro o livro e depois assisti ao documentário. Confesso que aprecio mais o livro, pois ele trata de coisas mais pessoais do que o documentário que me lembrou muito Cadernos de Lanzarote escrito por Saramago onde ele fala muito de sua vida profissional como escritor. Na realidade ambos se complementam.


Pilar del Rio  é uma mulher vibrante, forte,racional, extraordinária, não tem medo de dizer o que pensa sobre um assunto, mesmo quando discorda de Saramago. E há o amor que une estes dois, belo, generoso, maduro. Ambos são engajados nas questões do mundo o que hoje em dia falta muito.

Pilar conheceu Saramago quando ele já tinha 63 anos e ela 36 anos , e este é o primeiro ensinamento, não há idade para o amor e para o desejo. Nos iludimos buscando alguém muitas vezes por achá-lo bonito ou jovem, e isto é um dado cultural que privilegia a beleza e o corpo e não o que esta pessoa é e o que pode nos ofertar generosamente de si mesma. Saramago se questionou sobre isto, mas não o impediu de se entregar ao amor desta mulher e acreditar nele e no que sentia.

Mudaram-se para as Ilhas Canárias, Lanzarote onde construíram sua casa e a biblioteca. As bibliotecas normalmente mexem muito comigo, eu amo uma biblioteca e tudo que ela transmite. Quando sinto a ansiedade tomar conta de mim procuro uma livraria, uma biblioteca, e me acalmo. Estou acolhida, estou entre amigos, e há algo dentro de mim que me guia diretamente para o livro que preciso naquele momento. Eu vejo um livro, alguém me mostra um livro, algo me atrai diretamente para ele, não preciso ficar procurando. É um namoro, um caso de amor também esta minha relação com os livros.

O cenário em torno da casa, as montanhas, uma ilha vulcânica. Saramago se propõe o desafio de subir a montanha e o consegue. Quantas vezes dizemos que não temos mais idade para algo, não vamos conseguir e nem tentamos? Em 2009 fui para Florianópolis nas férias e junto com uma grande amiga fomos para a praia dos Naufragados. Esta praia só se tem acesso pela trilha ou por barco, e resolvemos ir pela trilha, um dia após um temporal e portanto havia muita lama. Para chegar a praia era preciso subir e descer um morro, e nem por um momento hesitei. Não foi fácil, mas consegui, e chegar à praia foi uma vitória, correr até o mar para tirar o barro esfregando com areia e água, foi muito bom. São nas pequenas coisas que está a alegria de viver, ou como se diz na França: la joie de vivre. Este episódio me deu duas coisas: uma alegria interna que veio de vencer o desafio e perceber que é possível, não na mesma velocidade de antes, mas é possível, e andar pela mata, atravessar um riacho, dar de cara com uma cachoeira, os sons, os cheiros, eu teria perdido tudo isto se não tivesse ido e isto vem do externo, da beleza natural.

Pilar e Saramago nos falam da vida, da morte, de Deus, da política, da religião, do mundo e deles. Pilar nos diz que a morte é algo já conquistado, a vida não, esta é necessário conquistar a cada dia. Temos medo de morrer, mas na verdade o que temos realmente é medo de viver. Morrer vamos de qualquer maneira, então por que temer? todos irão morrer, mas viver, quantos de nós realmente vivemos?

A liberdade de falar, de dizer o que realmente se pensa. Que importa o que os outros irão pensar? por que nos deixamos afetar tanto pela opinião dos outros? Porque ficamos presos a esta demanda de agradar ao outro e ao desejo de sermos amados? E neste caso ser amado não seria ser o ideal do outro aos seus olhos? e não nós mesmos? Em vários momentos Pilar e Saramago tem pensamentos diferentes, mas isto não os afasta, pelo contrário, os aproxima.

Por outro lado fiquei pensando no fato de Pilar passar a dedicar sua vida à Saramago. Ela é uma jornalista, mas foi com ele e passou a cuidar de sua agenda, fazia traduções de seus livros, organizou a biblioteca. Pode parecer num primeiro momento que ela abre mão de sua vida em prol da dele, mas será isto? As vezes precisamos ocupar este lugar que não tem proeminência, existimos sim através do outro também.

O mais importante para mim neste livro foi que como tenho muitas dificuldades em falar o que penso comecei a perceber que isto é possível, sem que com isto o outro deixe de gostar de mim, e se por acaso isto acontecer é porque não era para ser algo bom.

Mas é apenas o primeiro passo neste aprendizado de crescer.

Mendes, Miguel Gonçalves. Companhia das Letras, 2012
Tradução: Rosa Freire D'Aguiar
224 páginas.

Assista ao documentário: https://www.youtube.com/watch?v=iesonOSVTBQ

Direção: Miguel Gonçalves Mendes - 2010 
Duração: 125 min 





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