sexta-feira, 14 de novembro de 2014

FILMES E LIVROS - A VELHICE


GOLDENBERG, Mirian. Record, 2013
128 páginas

O que é estranho é que não sentimos que estamos envelhecendo, parece que estamos dentro de nós mesmos e não temos a consciência do que o outro vê, até que um dia uma mulher jovem te chama de senhora como me aconteceu ao entrar na locadora e um casal em torno de seus 25/30 anos vinham também em direção à porta. A mulher então disse: deixe a senhora entrar primeiro. Foi um choque! cadê o deixe a moça entrar, a mulher entrar, deixe ela entrar. Tentei me consolar dizendo que era apenas uma questão de educação, afinal eu sou uma desconhecida para ela. Mas eu sabia que não era só isto.

Não que eu seja velha, acho que 53 anos ainda é uma idade de maturidade, mas não de velhice. Mas vivo numa cultura onde não se cultua e homenageia-se os ancestrais e os idosos, pelo contrário, velhos atrapalham, são lerdos, não sabem de nada e acabam se tornando um fardo. Mesmo que no real o que vemos hoje são muitos avôs e avós ajudando a sustentar famílias com suas aposentadorias e ainda continuar a trabalhar para aumentar a renda. Mas há outros preconceitos como o de que velho não faz sexo, não devia sair por aí se divertindo, deve se colocar em seu lugar, mas que lugar é este?

O que me aconteceu foi um alerta para que eu me preparasse para o que vem pela frente, a menos que eu morra antes. Sim, eu já tenho muitos cabelos brancos, já não tenho a mesma agilidade de antes, mas estou viva e com muita vontade de viver, e com prazer. A velhice é associada a doenças, a ficar em casa, a ser uma pessoa que é retrógrada e que não acompanha o mundo. O que é triste é quando a pessoa internaliza isto e realmente acredita que tem que ser assim. Mas não precisa ser assim. Foi quando aprendi que só existem duas idades: vivo e morto.

Da mesma forma que um bebê não sabe andar e precisa de ajuda para muitas coisas, o que é limitante, o velho também tem limitações, físicas, não psicológicas ou mentais. A menos que ele sofra de algum problema sério de saúde. Não consegue mais escalar o Everest é óbvio, mas ainda pode fazer caminhadas e até mesmo subir por trilhas nas montanhas.

O pior é quando os outros pensam que o velho não pode mais ter autonomia, dizem na linguagem popular que é gagá. E não aceitam que ele tome decisões, faça escolhas, determine como seja sua vida e o que vai fazer. A idade não lhe tira a inteligência, a capacidade de gerir sua própria vida e nem seu desejo e prazer.

O livro de Mirian Goldenberg nos fala disto, de como podemos envelhecer tendo uma vida boa, prazerosa, saudável, bonita e cheia de vida.

Mas assistindo filmes é que notamos o preconceito, a maneira como se tratam os idosos, de como eles são desconsiderados, e não precisa ter 90 anos não, os filhos costumam achar que mães com 50 anos já precisam ser cuidados e dirigidos. Costumam vigiar e controlar os passos.

Ao contrário da cultura oriental que veneram os idosos e respeitam e buscam sua sabedoria, a nossa parece querer se livrar dos velhos, e talvez porque não suportem ver o seu real para daqui a alguns anos.

A questão da velhice também entrou na minha vida um pouco antes da mulher da locadora. Minha mãe com mais de 80 anos, cardíaca, passou a necessitar de ajuda para tomar banho, precisou de cadeira de rodas para se locomover, pois tinha muita falta de ar. E eu me defrontei com a velhice dela, que já não era mais a minha mãe forte, que fazia mil coisas. Percebi e a ouvi falando do quanto é difícil e triste depender dos outros. Posso imaginar o que seja isto para alguém que sempre fez o que quis. Ela era lúcida, e sempre respeitamos suas opiniões, e quando chegou a hora de ir ver sua irmã na Europa que não via há mais de 30 anos nenhum de nós iria se opor a decisão dela, de correr o risco de ir, mesmo sabendo que poderia não voltar. Mas ela voltou, mesmo me dando um susto imenso no avião, ela chegou ao Brasil e ainda viveu um ano e meio.

Para enfrentar tudo isto assisti vários filmes, e quero recomendar alguns:

Começando pelo belíssimo Elsa & Fred - um amor de paixão 

Direção: Marcos Carnevale - 2005
Duração: 108 min
Título original: Elsa Y Fred 

Dois octogenários. Fred (Manuel Alexandre)  viúvo há 7 meses, sempre teve uma vida muito organizada, trabalhou 40 anos na Telefônica, tudo sempre muito certinho e correto. Elsa (China Zorilla) , bom não é possível saber ao certo, ela tem uma imaginação febril, conta histórias, inventa.
Os filhos querem cuidar dos pais, mas são como Elsa chama o filho: a policia! controladores.

Elsa cria seu mundo, ela quer fugir do controle, do organizado, do previsível da vida. É divertida, seu carro é vermelho, ela ouve música enquanto dirige, seu celular é pink, dá calotes, fala muito. Talvez uma forma de lidar com a desilusão da vida. Ele que vivia na tristeza é capaz de se abrir novamente, ou talvez, pela primeira vez, à vida.

Elsa não se entrega, e quer muito viver um sonho que tem desde jovem. Ela ama a vida e para vivê-la é capaz de tudo. Fred que sempre foi parado, certinho irá se encantar com a vida pulsante de Elsa. Claro que os filhos ficarão apavorados, assustados diante do namoro dos dois. Mas eles farão a vida valer a pena até o último minuto.

Recentemente eu estava em Buenos Aires e o celular do motorista de táxi tocou, ele olhou e disse: la policia! não me contive, tive que rir.

Este filme me ensinou que idade não é limite para os sonhos, mesmo aqueles da juventude. O amor pode acontecer em qualquer idade, e que a alegria de viver é sempre possível, mesmo diante da doença ou da velhice.

- O exótico Hotel Marigold 


Direção: John Madden - 2011 
Duração: 124 min 
Título original: The Best Exotic Marigold Hotel 


Sete idosos britânicos, um casal, uma viúva, duas solteiras, dois solteiros  resolvem ir para um Hotel para aposentados na Índia iludidos pelo anúncio. Claro que o que encontram é bem diferente do que foi oferecido.

O filme nos fala do antes, de como estavam suas vidas na Inglaterra e depois o que irá se passar neste exótico Hotel, nos mostrando o quanto é difícil ser idoso na sociedade que cultua os jovens, mas também o quanto se pode ainda aproveitar a vida.

Aos poucos cada um deles irá adquirindo uma liberdade que não tinham  e podendo realizar coisas que nunca puderam fazer antes, o que nos mostra o quanto a velhice muitas vezes é algo prazeroso e senão isto, pelo menos pode nos trazer uma liberdade que não tínhamos antes. Vemos o preconceito que também tem os mais jovens, os filhos destas pessoas que tomam decisões por eles sem consultá-los, que os exploram seja pelo dinheiro ou para cuidar de filhos, que não levam em conta que apesar de idosos estão vivos e tem desejos.

Aqui o grande aprendizado é que a velhice pode ser tornar justamente a grande liberdade. Filhos criados, aposentados, vivos e sem ter o que fazer, é justamente a oportunidade de se fazer o que sempre se desejou e nunca fez. É hora de tomar coragem e acertar coisas antigas que sempre foram adiadas por falta de tempo, por vergonha, por falta de coragem. É hora de vencer as mágoas e transformar o que se sabe em coisas novas. É hora de aprender algo novo para trabalhar e ganhar uma independência maior, e a sabedoria pode vir em sua ajuda. É hora de assumir seu desejo e ir atrás.

- Uma dama em Paris 

Direção: Ilmar Raag - 2012
Duração: 94 min
Título original: Une Estonienne à Paris 
Filme franco estônio belga 

Anne (Laine Mägi) deixou seu trabalho na casa de idosos para cuidar de sua mãe até sua morte. Seus filhos tem sua vida e ela está só agora quando recebe uma proposta de trabalho em Paris para cuidar de uma estoniana que emigrou para lá há muitos anos. Ela aceita e deixa a Estônia rumo à França.

Aconteceu que Frida (Jeanne Moreau) não é uma pessoa fácil e seu único interesse é Stéphane (Patrick Pineau) que foi seu amante durante anos, mas que agora quer seguir com sua vida e cuidar do café que recebeu de presente de Frida, sem ter que se preocupar com ela ou com seus anseios de ainda serem amantes.

Frida é uma mulher que foi muito bonita e viveu como desejava e agora enfrenta a velhice. Stéphane é bem m mais novo do que ela e apesar da amizade que sente por ela não a vê mais como uma mulher e isto dói em Frida que tem que aceitar seu envelhecimento e perda de seu poder de sedução sobre ele. Anne sempre viveu para os outros, e ir para Paris é como um sonho, ela caminha pelas ruas e olha as vitrines, as roupas tão diferentes das que ela usa, a liberdade de poder cuidar finalmente de si mesma.

Duas mulheres, uma um pouco mais nova que sempre atendeu ao desejo do outro e agora se vê livre para fazer o que deseja e resolve então mudar e cuidar de si mesma. Frida enfrenta a perda da sedução diante de um desejo que persiste. Ela já não consegue seduzir os homens como antes. Se Ana nunca pode se enfeitar, ser bonita, Frida por seu lado foi o que sempre fez. No lugar da sedução ela vai tentar a chantagem para manter seu amante, se torna rabugenta, difícil. Ela que sempre viveu num mundo onde o sexo é livre de repente se vê diante da situação de não ser mais atraente aos olhos dos homens, pelos menos daqueles que ela deseja. E como nunca aprendeu a usar outra coisa para conquistar está em crise. 

Mas Frida descobre Anne, e se no começo a repudia depois se afeiçoa à ela, e juntas elas deixarão sua solidão amarga e difícil para tentarem viver, se sentirem belas e sedutoras, tão sedutoras como é Paris que atrai a todos com sua beleza e fascínio jovens e idosos.

Realmente quando nos apegamos à aparência, ao culto ao corpo e roupas é muito doloroso chegar ao momento onde isto já não é mais um trunfo de sedução. E vivemos numa sociedade que cultua a beleza física. Concordo que é difícil perceber que já não atraímos olhares, que os homens procuram outras mulheres mais jovens. Mas isto não impede de sermos belas e sedutoras sim, não como era antes, e nem iremos atrair o mesmo tipo de homem, mas o que realmente importa é se sentir bem, bonita, ter autoconfiança e amor próprio suficiente para não se desprezar por isto. E sempre pode surgir alguém que não olhará nossa cintura, e não ligará para as rugas, ou a pele que já não é tão lisa. E se não surgir, temos que nos amar assim mesmo. 

É muito difícil o início deste processo, principalmente para quem sempre se habituou a usar a sedução para conseguir o que deseja. A sedução do corpo, da beleza. Já para Anne que nunca pode usar roupas bonitas, nem seduzir o outro, ela se sente a mais bonita de todas. E isto chama a atenção para que reflitamos sobre nossas crenças.

- Conduzindo Miss Daisy 



Direção: Bruce Beresford - 1989 
Duração: 99 min
Título original: Driving Miss Daisy 

Adaptação da peça teatral de Alfred Uhry

Atlanta, 1948, Miss Daisy (Jessica Tandy)  ao tentar dar ré com seu carro, um packard novo, o joga no jardim do vizinho. Seu filho exasperado tenta convencê-la que é melhor ter  um motorista, mas ela não quer. Assim mesmo seu filho insiste e contrata um afro-americano, Hoke (Morgan Freeman).

Miss Daisy inicialmente se opõe e o trata friamente, mas aos poucos seus preconceitos e barreiras sociais irão caindo e ambos se tornarão amigos, uma amizade que durará por mais de vinte anos.

Um belo filme sobre as questões raciais, mas também sobre a amizade entre duas pessoas tão diferentes, mas solitárias, que conseguem se respeitar e compreender e fazer companhia um ao outro. Vale muito o tato que Hoke tem com Miss Daisy, mas ele também não abaixará a cabeça, conquistando sua confiança.

A primeira coisa que me chamou a atenção é que Miss Daisy tem que se impor ao filho, ela quer sua autonomia e independência, porém a idade pode nos impor certos limites que temos que aceitar. Mas nem tudo está perdido, há alternativas. Inicialmente ela não gosta do motorista contratado e por dois motivos, primeiro por ela ver nele o fim do seu tempo de dirigir o carro, mas ela é racista e preconceituosa, mas nunca é tarde para aprender que as pessoas não são sua cor, sua religião, seu status social. Ela vai ser rabugenta por um tempo impondo sua posição social que ela acredita ser superior a Hoke, mas ela vai encontrar nele seu melhor amigo, aquele que vai estar ao seu lado. E ambos irão se divertir juntos.

Já Hoke nos mostra uma dignidade e segurança. Ele não abaixa a cabeça como um serviçal. Ele está ali trabalhando, mas consegue compreender a solidão de Miss Daisy e a sua própria fazendo com que conquiste a confiança dela.


- O último amor de Mr. Morgan


Direção: Sandra Nettelbeck - 2013
Duração: 115 min
Título original: Mr. Morgan's last love. 

Baseado no romance "La doucer assassine" de Françoise Dorner.

Matthew Morgan (Michael Caine)  mora há alguns anos em Paris, nunca aprendeu a falar francês e acaba de perder sua esposa Joan (Jane Alexander). Três anos depois ele continua a viver em Paris, solitário, triste quando conhece Pauline (Clémence Poésy) num ônibus onde ela o ajuda. Tornam-se amigos. Pauline é uma professora de dança e ele começa a ir ao local e até tenta um passos de dança. Mas um dia ele não suporta a dor da perda de Joan e tenta o suicídio.

A solidão da velhice, aquele que fica quando outro morre e perde o sentido da vida. Morgan morava na França, mas nunca quis aprender a língua e dependia de sua mulher para se comunicar. Quando conhece Pauline que fala inglês sua vida parece ganhar um novo colorido, ele vai até mesmo tentar aprender a dançar, mas ainda assim a dor da perda é muito grande e ele tenta o suicídio. Neste momento seus filhos aparecem.

A filha vive no mundo atual, consumista, individualista, não se preocupa nem um pouco com o pai. O filho ao se deparar com Pauline não aceita, automaticamente ele pensa que é uma caçadora de dotes, que está interessada no dinheiro do seu pai. Acha impossível que uma mulher tão jovem ame seu pai. E aí é que vem o engano, há várias formas de amar. Pauline perdeu seu pai muito cedo e vê em Morgan a figura paterna, ela tenta reencontrá-lo. Já Morgan vê nela a sua mulher, nos traços, nos gestos e parece reviver este amor que o mantém vivo.

Ambos são solitários e tentam resgatar algo para se manterem vivos e construir um sentido. Já a relação de Morgan com os filhos é carregada de mágoas e culpas, de coisas que não foram ditas e expressadas.

A relação de pais com seus filhos sempre tem restos, coisas não faladas e não compreendidas. Os filhos julgam os pais e tendem sempre para um deles. Os pais não querem dizer aos filhos ou não conseguem dizer o que realmente sentem e pensam. E isto cria conflitos que somente através da palavra poderá se esclarecer e oferecer a oportunidade de mudanças.

O belo do filme é a relação entre Matthew e Pauline, um amor platônico, mas onde há o desejo dele, muito sutil, e ela que vê nele o pai, que também não deixa de ser o primeiro objeto de desejo da filha.

Penso muito no meu pai, conversávamos muito, mas ele morreu quando eu era jovem, 15 anos. E quanto ele deixou de me falar? Quantas perguntas eu teria para ele hoje. Fiquei sem saber. Minha mãe era muito fechada, sempre desviava para responder, dizia que não sabia. Então me resta construir uma história. Imaginar, sonhar e interpretar para que este vazio não fique. Morgan consegue dizer ao filho o que sentia e isto muda a relação dos dois. A filha não se interessa, volta para sua família.

Pauline tenta construir com Morgan a relação que não teve com seu pai. Buscamos o pai, e o mais comum é encontrar um homem a quem amar que tenha os traços do pai. O filho vai buscar a mãe, e não é por acaso que o filho de Morgan se apaixona por Pauline, uma vez que seu pai via nela os traços da mulher, o filho vai ver os da mãe.

- A Avó 



Direção: Frantisek Cáp - 1940 
Duração: 90 min 
Título Original: Babicka The grandmother 
Filme em preto e branco

Baseado no livro A Avó: uma história da vida rural na Boêmia, 1852 de Bozena Nemcová.

É a história de uma avó (Theresa Brzková)  que vai morar com uma filha e os netos que vivem no campo. Uma história singela, mas que traz muito dos costumes e tradições locais além das histórias desta avó maravilhosa que ensina muito sobre o viver.

Entre as tradições e lendas vemos no filme a avó acordar a neta com tapinhas na testa, para que a alma acordasse primeiro. O pão era sagrado, e pisar em uma única migalha faria as almas do purgatório chorarem. As visitas eram recebidas com o pão e sal.

A avó que todos desejamos é o que vemos no filme, a sabedoria, o amor, a ternura, e as histórias que elas contam.

Não conheci minhas avós, elas morreram antes de eu nascer. Aqui temos uma avó como todos sonham ter. Mas vemos também uma mulher que sabe ocupar seu lugar, o de avó, sem se ressentir disto. Infelizmente vemos muitas pessoas se sentindo velhas ao serem chamadas de avó e inclusive não querendo este lugar. Ou temos as avós modernas que já não são assim, a avó de nosso desejo. 

Meu neto nasceu quando eu tinha 41 anos, e não fui esta avó, sou a avó moderna. Mas nunca me senti mal em ser chamada de avó, muito pelo contrário. Inconscientemente desejamos a avó assexuada, que fica em casa fazendo bolos e tricotando, que nos conta histórias, que nos ensina. Mas mesmo não sendo esta avó caseira nada impede que possamos dar continuidade a isto, fazer bolos e contar histórias. A avó de certa maneira é quem dá continuidade as histórias dos antepassados, ela mesma já representa um antepassado. E ao invés de se ressentir ao pensar que avó é igual a velha, devemos ao contrário, usufruir deste lugar e da sabedoria que temos da vida para transmitir isto aos filhos, netos e bisnetos. 

Por outro lado no mundo atual vemos muitos netos que não querem saber de nada disto, estão mais voltados para seus vídeos games e internet. Mas vale a pena tentar pois acredito que apesar desta modernidade a criança é curiosa sobre suas origens, e todos nós gostamos de histórias, mesmo dizendo que são chatas porque não tem zumbis ou vampiros. As tradições, as histórias estruturam a pessoa, e mesmo que no momento o neto não dê atenção, isto lhe será de valia um dia na vida quando irá se recordar de sua avó e do que ela disse, ou de seu avô. 

- A Grande beleza


Direção: Paolo Sorrentino - 2013
Duração: 142 min
Título Original: La grande bellezza

Roma. Jep Gambardella (Toni Servillo) escreveu um único livro "O aparelho humano" e leva uma vida de luxo, em festas, indo sempre dormir quando os outros acordam, mas pouco a pouco ele começa a refletir sobre tudo isto.

Ele está com 65 anos e nunca mais conseguiu escrever outro livro, diz que procurava a grande beleza, mas não a encontrou. Começa a perceber a inutilidade de sua vida, e de todos que estão ao seu redor, pessoas que não fazem nada a não ser se divertir e falar dos outros.

Este filme é um confronto com a vida que levamos procurando sempre preencher buracos e acreditando ilusoriamente que temos muitos amigos quando na realidade temos apenas pessoas que nos encontram para se divertir e preencher por sua vez o vazio de suas vidas.

Quando ele conhece uma irmã com 104 anos que só come raízes, e que com sua presença calma deixa que vários pássaros que estão indo para o oeste permaneçam por um momento de descanso na varanda de Jep, ele começa a ter uma nova percepção do que é belo. A freira lhe diz que só come raízes porque as raízes são o que há de mais importante.

Um retrato trágico da sociedade de Roma com todas suas futilidades e fugas, e como dirá Jep, por baixo deste blá blá blá todo não há nada, está tudo desestruturado. Jep terá que abrir mão de todo este glamour e fama que ilusoriamente lhe pareceu preencher a vida e dar um sentido. Tudo ia bem quando era jovem, mas e agora? A vida ainda não acabou, mas o que fazer dela?

Ele terá então que compreender a nostalgia que sente do que ele não teve, Elisa não se casou com ele e agora está morta, mas mesmo assim, é na busca destas raízes que ele poderá recomeçar, poderá subir os degraus de uma vida até chegar a morte, como a irmã, mas dando um sentido, construindo um sentido para cada degrau, e eles não são fáceis de subir, é preciso esforço, é preciso desistir da ilusão da grande beleza, da perfeição,  para encontrar a beleza das pequenas coisas do dia a dia.

Na tentativa de preencher uma vida com coisas que pensamos serem grandes e melhores acabamos perdendo o contato com as pequenas coisas e que no fundo são as mais importantes. Enquanto somos jovens tudo isto funciona, mas chega o dia em que as coisas mudam e ainda estamos vivos.

Eu sempre tive uma vida corrida, agitada, estressada, até que acabei com uma ataque de ansiedade diagnosticado na época como ansiedade generalizada. A partir deste momento comecei a reduzir o ritmo até encerrar de vez toda esta loucura. Hoje vivo em paz, atenta a pequenas coisas como uma planta que está crescendo, o por do sol, uma comida gostosa, pintar cerâmicas para colocar na minha casa, brincar com meus cachorros, dar atenção a poucos amigos, viajar, ler, vejo o mundo com outros olhos e sou bem mais feliz. 

No sistema consumista que vivemos não é fácil para muitos abrir mão de toda a parafernália que nos rodeia, de aceitar ganhar menos para ter uma vida mais tranquila, mas chega o dia que você se aposenta, que o corpo já não tem a vitalidade de antes, que os amigos começam a morrer e chegou a hora de olhar para sua vida com outros olhos. E então talvez seja possível ver onde está a Grande beleza da vida. 


- Filhos da Natureza


Direção: Friörik Pór Friöriksson - 1991
Duração: 82 min
Título original: Börn Náttúrunnar

Um filme para refletir sobre a velhice, a solidão e a morte.

Thorgeir (Gísli Alldórsson) é um homem idoso, vive sozinho num local isolado da Islândia e logo no início sentimos sua solidão por seus atos. Ele então decide partir e vai ao encontro de sua filha que vive na capital em Reijavic, porém a recepção não é o que podemos chamar de agradável. O marido apesar de o receber bem no primeiro dia depois mal fala com ele, mas o pior é a neta que grita com ele e o despreza.Ele está tão só ali como estava em sua casa.  Sua filha sugere então que ele vá viver em uma casa de idosos.

Lá ele encontra Stella (Sigridur Hagalín), uma velha conhecida da infância que ele vê assim que chega sendo arrastada pelas enfermeiras pois havia tentado fugir. Stella quer voltar ao local da infância e deseja ser enterrada lá.

A vida na casa de idosos não é ruim, mas o que sempre me chama a atenção é como tratam os idosos, como se eles não pudessem mais fazer escolhas, tomar decisões, vivem como se fossem loucos ou doentes, sem liberdade. A velhice não é sinal de demência, então porque não podem sair? ir a um cinema? fazer compras, visitar pessoas? fazer escolhas? São tratados como crianças ou até pior que isto, uma vez que a criança tem o futuro a sua frente, mas o idoso vive seus últimos momentos de uma vida onde ele já teve escolha e cuidou daqueles que hoje são adultos e os tratam assim. Há uma cena onde servem chá e a moça pergunta à filha se era leite ou açúcar para ele, como se ele fosse incapaz de escolher e ter gostos e desejos, incapaz de falar e responder.

- E se vivêssemos todos juntos?



Direção: Stéphane Robelin - 2011
Duração: 96 min
Título original: Et si ont vivait tous ensemble?

Dois casais e um solteiro, todos já entrando na velhice e amigos há mais de 40 anos. Annie (Geraldine Chaplin) é casada com Jean (Guy Bedos), Jeanne (Jane Fonda) com Albert (Pierre Richard) e ambas as mulheres tiveram um caso amoroso com Claude (Claude Rich).

Cada um deles enfrenta questões com a saúde, a sexualidade, a questão de morar sozinho. Jean é quem tem a ideia de todos morarem juntos em sua casa que é grande. Inicialmente os outros são contra, querem preservar sua privacidade e individualidade, mas a medida que cada um deles enfrenta um problema de saúde isto vai mudar. Albert tem um cachorro, Oscar, só que ele é bem grande, e um dia ao levá-lo passear o cachorro que é mais forte que ele o derruba. Sua filha quer se desfazer do cachorro. Claude sofre um problema no coração, e seu filho quer vender seu apartamento e colocá-lo em uma casa de idosos. Jeanne sofre de uma doença incurável, e sabe que Albert que já começa a perder a memória não poderá ficar sozinho. Então entre uma casa de repouso e morarem juntos obviamente optaram pela segunda opção.

Não é fácil, mesmo diante de questões difíceis, eles ainda prezam sua autonomia, independência, mas precisam de entorno e apoio. Mas entre ir para uma casa de repouso onde infelizmente ainda se trata o idoso como um ser que não tem mais desejo nem autonomia, eles optam por uma alternativa diferente.

Um retrato bem humorado da velhice com todas suas questões que nem sempre são alegres mas que fazem parte da vida. Os filhos que sempre procuram resolver o problema de uma forma que eles se sintam menos culpados e ao mesmo tempo que não lhes tire seu tempo para cuidar de alguém. É interessante como há uma visão errônea que parece acreditar que um velho não pode mais tomar suas próprias decisões, precisa ser cuidado como um bebê. Como diz Claude, eu prefiro apodrecer em meu apto. do que numa casa de idosos. É um direito dele.

Mas por outro lado o filme trata a velhice de uma forma madura, onde cada um deles não se deixa levar pela idade e suas limitações, e mais do que isto, a amizade entre eles é tocante, eles se compreendem e se apoiam mutuamente.

- Quarteto



Direção: Dustin Hoffman - 2012 
Duração: 98 min 
Título Original: Quartet 

Em uma grande casa no meio de um parque belíssimo vivem vários idosos que são músicos e cantores aposentados. Eles passam o tempo lembrando os bons tempos, mas também continuam tocando e cantando. Todos os anos eles realizam uma festa com apresentações para arrecadar fundos para manter a casa. Cissy (Pauline Collins), Reggie (Tom Courtenay) e Wilfred (Billy Connolly) vivem lá e estão ensaiando para a apresentação. 

É quando chega uma nova moradora que ninguém sabe quem é. Trata-se de Jean (Maggie Smith), ex-esposa de Reggie que de início não fica nada satisfeito em vê-la ali. Mas logo os três pensam em reviver o quarteto que interpretou Rigoletto, porém Jean se recusa. 

O filme toca em temas da velhice, a perda da memória, as doenças, o corpo que já não é o mesmo. Novamente vemos pessoas mais jovens tratando idosos como se fossem débeis, o que não são, mas ali, os moradores tem respostas na ponta da língua. Chega a ser deprimente ver Wil ter que pedir a médica que cuida do local para poder ir jantar fora com os outros três afim de convencer Jean a cantar, ela impõe até horário que só é estendido após uma pequena chantagem feita por Wil. Este tipo de comportamento tão comum em nossa sociedade é algo que precisa mudar, idosos não são dementes, eles tem limitações naturais de sua idade, mas muitos ali são lúcidos e portanto capazes de escolhas.

- O violinista que veio do mar


Direção: Charles Dance - 2004 
Duração: 113 min 
Título original: Ladies in Lavender 

Um filme belo sobre o desejo e o amor. 1936 - em uma pequena vila de Cornwell norte da Inglaterra duas irmãs que vivem juntas Ursula (Judi Dench) e Janet (Maggie Smith) ao passearem pela praia após uma tempestade encontram um jovem desfalecido. Elas o levam para casa e cuidam dele.

Esta relação de cuidado irá despertar coisas adormecidas, o amor e o desejo, e ambas começam a rivalizar para conquistar o amor do jovem Andrea (Daniel Brühl) . Há cenas hilárias como a da torta de sardinhas e os comentários sarcásticos da outra irmã apenas para desfavorecer a outra perante o jovem.

Este filme nos mostra claramente que não importa a idade que tenhamos o desejo está vivo e somos capazes das mesmas coisas que fazemos quando adolescentes por amor. 


Há muitos outros filmes que tratam da velhice, por enquanto posto estes. Mesmo que ainda não estejamos nesta fase da vida há algo muito importante a aprender com estes filmes, seja para nós mesmos ou para termos uma relação mais saudável com os idosos que nos são caros, nossos avós, pais, conhecidos ou um idoso na rua que encontramos.

A nossa sociedade precisa aprender a respeitar o idoso e ter consciência de que o idoso não é alguém que depende dos outros para tomar decisões, ter escolhas e que ele sabe sim o que quer. Precisamos saber que o idoso tem desejo e que sua vida sexual não acabou e que isto não é nenhum escândalo, muito pelo contrário, é belo. 

Esta inversão do filho que deseja ser o pai ou mãe de seus pais não é saudável nem legítimo. Os pais estão acima deles na estrutura familiar e não são uns débeis mentais incapazes. No Oriente os idosos e antepassados são cultuados e respeitados. No Ocidente há o horror à velhice, as pessoas esquecem que também ficarão velhas, a menos que morram antes. A atriz Tônia Carrero uma vez declarou: amo ser velha! ... porque a outra opção é a morte!



segunda-feira, 3 de novembro de 2014

MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES - O medo de amar


Márquez, Gabriel García.17ª ed. Record, 2007
Tradução: Eric Nepomuceno
127 páginas
Título original: Memoria de mis putas tristes.

Ao completar 90 anos um cronista e crítico musical decide comemorar seu aniversário ao lado de uma jovem virgem, e para isto liga para sua conhecida Rosa Cabarcas, dona de um bordel que não via há muitos anos.

O que poderia ele desejar com isto? Provavelmente inicialmente ele queria reviver sua vida e se despedir dela. Mas o que nosso protagonista não esperava era se apaixonar aos 90 anos pela  bela virgem que ele resolveu chamar de Delgadina. E detalhe, foi a primeira vez em sua vida que ele se apaixona.

Apaixonar-se aos 90 anos ou aos 20 anos, dá tudo na mesma. Ele vai sofrer todas as loucuras da paixão. Justamente o que ele temeu a vida toda. Irá lhe dar presentes, entre estes uma bicicleta que ele não resistirá a experimentar andando com ela e cantando, comprará flores, irá decorar o ninho de amor para que fique mais aconchegante, irá minar sua amada, mas não irá deflorá-la. Se contentará em olhá-la, tocar seu corpo, beijar seu corpo e dormir ao seu lado indo embora sempre antes das cinco horas da manhã.

E viverá pela primeira vez tudo que o amor pode proporcionar, seu pensamento estará constantemente no ser amado, a imaginará ao seu lado, sentirá sua presença, seu cheiro, a tal ponto que teme olhar a realidade e perder a imagem que ama. Terá que se haver com o ciúme, o desespero, a ansiedade da espera, o temor de perdê-la.

A bela lição deste livro é que não importa a idade que tenhamos podemos nos apaixonar e viver tudo o que isto acarreta do mesmo modo do que quando jovens. Enquanto estamos vivos o desejo está ali, o amor e a paixão existem, ao contrário do que muitos pensam achando que a velhice é antônimo disto tudo. 

O medo de amar é algo que nos mutila, deixamos de viver coisas importantes. É o medo da rejeição, da perda. Não suportar que podemos perder o ser amado, não apenas para a morte, mas ele pode deixar de nos amar, deixar de ser algo bom para nós e nós para ele. O medo de amar envolve também amizades, quando temos medo da intimidade com os amigos e nos limitamos a camaradagem, nunca nos abrindo ou fazendo confidências, nunca falando de coisas mais sérias, levando o que chamamos de amizade de maneira divertida e boa. Eis porque muitas vezes quando estamos tristes nossos supostos amigos não suportam isto, acham chato, não é isto que está no "acordo". O medo de perder o amor dos pais nos levando a atender aos desejos deles. Mas o pior medo, o de amar a si próprio que requer responsabilidade e sustentar o que se pensa e fala, independentemente de estar ou não agradando ao outro. 

Somos muito suscetíveis ao outro, o que ele pensa de nós, será que nos ama? e nos deixamos afetar muito por isto. E conseguir se libertar disto é uma liberdade imensa. 

O amor de nosso protagonista do livro não envolve sexo, por mais que estejamos num bordel, mas envolve a pulsão sexual da vida e tudo que isto acarreta e que é o viver sem medo de amar. Amar o outro sem esperar nada dele, uma vez que esta jovem não irá lhe retribuir o amor que ele sente. 

Ler ou ver filmes sobre a velhice nos ensina e muito para um momento em que teremos que nos ver com isto também, e por outro lado nos leva a respeitar nossos idosos e a nos lembrar que apesar da idade eles estão vivos, desejam, são seres humanos. O que envelheceu foi o corpo. 

LIVRO: A ORIGEM DO MUNDO - o que move o nosso desejo?



O que move nosso desejo?

Edwards, Jorge. Cosac Naify, 2014
158 páginas
Tradução: José Rubens Siqueira
Título original: El origen del mundo

Este livro é impactante, brilhante. Ele vai nos falar do ciúme, mas vai muito além disto. A velhice, o desejo, a fantasia que nos permite viver.

Gustave Courbet pintou em 1866 o quadro "A origem do mundo", uma mulher com o rosto velado, de pernas abertas com sua vulva aparecendo. O quadro foi encomendado por um bei da Turquia. Pertenceu a Jacques Lacan, o psicanalista francês, e depois foi exposto no Musée D'Orsay em Paris.

Patrício Illanes é um médico setentão casado com Silvia, chilenos que se exilaram em Paris, assim como seu amigo Felipe Díaz. E tudo começa quando Patrício e Silvia vão a exposição do quadro "A origem do mundo", onde Patito pensa que ele se parece com sua mulher. Na sequência dos acontecimentos temos o suicídio de Felipe Díaz, outro exilado, mas não sem antes haver um encontro entre este e Patito num café onde Felipe lhe fala de uma mulher filósofa, mexicana-japonesa, e de que acabou trocando um garrafa por uma mulher. Felipe bebia muito. Quando Silvia vê Felipe morto tem uma reação histérica que surpreende Patito e parece lhe confirmar suas suspeitas de que ambos eram amantes. A partir daí temos o relato neurótico de Patito em busca das provas desta traição.

O delírio de Patito em busca das provas da traição é algo que nos incomoda, mas porque? quando sentimos ciúmes ficamos cegos, e de certa maneira gozamos deste sofrimento. Somos nós mesmos que criamos o ciúme e ele nos encarcera. Claro, às vezes realmente pegamos o ser amado com outra pessoa e de fato ele ou ela está nos deixando, mas na maioria das vezes o ciúme é fruto da insegurança, da dúvida, mas é mais que isto, é uma forma de gozar com dor, de como diz o ditado popular: procurar chifres em cabeça de cavalo. Não devemos desprezar o que sentimos quando surge uma dúvida ou suspeita, mas devemos aprender a não nos deixar prender por este ciúme que leva à loucura, a dor. Diante de uma dúvida, nada melhor que que colocar as coisas a limpo com a pessoa envolvida. Obviamente o outro pode mentir, ocultar. Mas o que fica mais evidente diante do ciúme é a cegueira que nos oblitera o pensamento e os atos. Como no livro A mulher perdida, que já postei. Negar a realidade e procurar o que desejamos encontrar para gozar ou nos fazer de vítima, também para gozar este estado.

Se pararmos para perceber o que fazemos diante do ciúme veremos o quão patéticos somos, e por isto nos incomoda assistir ao delírio de Patrício. Também podemos nos unir a ele e ficar com raiva dos outros, mas isto também é doentio. A impressão que ele tem que todos o estão enganando, não querem lhe dizer a verdade, mas o que é a verdade neste caso? Todos declaram que nunca viram nada nem ouviram falar de nada e se irritam com a insistência dele. Claro, ele os está desacreditando e isto os incomoda. Então porque pergunta? se não acredita em mim?

Mesmo diante da realidade que não condiz com o que desejamos, que é ser traídos para gozar, vamos encontrar outros motivos. Supondo que ele siga a mulher pensando que vai se encontrar com alguém, e ela simplesmente vai ao cabeleireiro. Ele então vai supor que está se enfeitando para o outro. E assim feito um círculo vicioso para atender ao seu próprio desejo, e se manter preso dentro deste sofrimento. Muitas vezes ao descobrir de fato a traição o sujeito então cai na real e se afasta triste e calado. Acabou! ele que tanto desejava pegar no flagra agora tem que tomar uma decisão, e ele sabe que talvez não sirva de nada saber e dizer o que viu para manter o ser amado com ele, pelo contrário, é o momento da decisão. O jogo acabou.
Outros não suportam e passam ao ato. Matam. Para manter o ser amado junto a si para sempre, num túmulo e tirá-lo do outro.

Mas aqui nesta história o caso não é este. E isto torna o livro mais brilhante. Ele vai mais fundo. O ciúme é apenas um lado da questão. Patito tem setenta anos, sua esposa é mais jovem, ele enfrenta a questão do desejo. No livro da Gabriel García Marquez - Memória de minhas putas tristes, também vemos alguém na velhice se defrontando com o desejo e a sexualidade.

Quando olha para a pintura algo desperta dentro dele. Sua vida sexual já não é como foi. Ele precisa criar algo para que ela se mantenha, mas não tem consciência disto. O que se despertou foi a fantasia sexual. Ele vê Felipe Díaz chegar ao fim de sua vida sexual trocando a mulher por uma garrafa. Mas também passou a vida ouvindo sobre a vida sexual movimentada do amigo, e nisto inclui sua mulher.

A fantasia inconsciente, o desejo, a paixão, o sexo e o erotismo, a fantasmagoria, tudo isto está neste livro e descrito de uma maneira esplêndida. O quadro A origem do mundo também pode ser interpretado como de onde nascemos, de onde viemos, e a velhice é o fim, e não é um retorno ao paraíso, mas é o nada, o vazio, o não conhecido que assusta. Somente com a ficção ou a fantasia, ou a imaginação, se pode lidar com a morte, e a velhice é o momento onde isto vai surgir fortemente, este medo da morte e a consciência que estamos muito longe desta origem. Patito prefere a ilusão do que a morte, prefere o amor-paixão que reaviva o desejo, e o que mais é a vida do que o desejo? ele nos movimenta. Quando o desejo cessa, estamos mortos.

Felipe Díaz não suportou e preferiu morrer, Patito optou pela vida, mesmo  sofrendo, mas quem sofre está vivo. Ambos sofreram a frustração de seus ideais políticos, ambos tiveram que sair de seu país e se exilarem, e sabiam que mesmo depois de tudo ter passado, não seria mais possível voltar ao seu país, não se identificariam mais com este lugar que ficou no passado. Se esta origem não lhes permitia viver, então porque não a origem da vida? o sexo e todo seu lado erótico.

Na velhice o erótico já não é como antes, e para não cair num sexo carne, animal, a fantasia e a ficção vem para sanar isto. Não é mais o belo corpo, mas a fantasia.

O que mais me encantou neste livro foi isto, expor a fantasmagoria que nos move o desejo. A falta, o buraco, o vazio que precisamos preencher de alguma maneira e que nunca conseguimos, restando rodeá-lo de alguma maneira. Muitas vezes somos pudicos com nossas fantasias, e elas atuam sem que as reconheçamos. Patito teve que criar todo o cenário do ciúme para chegar ao que desejava, uma noite erótica com sua mulher como antes, para com isto se sentir vivo, mesmo na velhice onde a morte se aproxima. Ele luta pela vida.

Felipe optou pela bebida e a morte. Outros preferem comer e com isto engordam. Mas penso que Patito escolheu o melhor caminho, por mais estranho que possa parecer. Claro, que ele teve a sorte de que sua esposa percebeu e entrou junto nisto.