segunda-feira, 3 de novembro de 2014

MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES - O medo de amar


Márquez, Gabriel García.17ª ed. Record, 2007
Tradução: Eric Nepomuceno
127 páginas
Título original: Memoria de mis putas tristes.

Ao completar 90 anos um cronista e crítico musical decide comemorar seu aniversário ao lado de uma jovem virgem, e para isto liga para sua conhecida Rosa Cabarcas, dona de um bordel que não via há muitos anos.

O que poderia ele desejar com isto? Provavelmente inicialmente ele queria reviver sua vida e se despedir dela. Mas o que nosso protagonista não esperava era se apaixonar aos 90 anos pela  bela virgem que ele resolveu chamar de Delgadina. E detalhe, foi a primeira vez em sua vida que ele se apaixona.

Apaixonar-se aos 90 anos ou aos 20 anos, dá tudo na mesma. Ele vai sofrer todas as loucuras da paixão. Justamente o que ele temeu a vida toda. Irá lhe dar presentes, entre estes uma bicicleta que ele não resistirá a experimentar andando com ela e cantando, comprará flores, irá decorar o ninho de amor para que fique mais aconchegante, irá minar sua amada, mas não irá deflorá-la. Se contentará em olhá-la, tocar seu corpo, beijar seu corpo e dormir ao seu lado indo embora sempre antes das cinco horas da manhã.

E viverá pela primeira vez tudo que o amor pode proporcionar, seu pensamento estará constantemente no ser amado, a imaginará ao seu lado, sentirá sua presença, seu cheiro, a tal ponto que teme olhar a realidade e perder a imagem que ama. Terá que se haver com o ciúme, o desespero, a ansiedade da espera, o temor de perdê-la.

A bela lição deste livro é que não importa a idade que tenhamos podemos nos apaixonar e viver tudo o que isto acarreta do mesmo modo do que quando jovens. Enquanto estamos vivos o desejo está ali, o amor e a paixão existem, ao contrário do que muitos pensam achando que a velhice é antônimo disto tudo. 

O medo de amar é algo que nos mutila, deixamos de viver coisas importantes. É o medo da rejeição, da perda. Não suportar que podemos perder o ser amado, não apenas para a morte, mas ele pode deixar de nos amar, deixar de ser algo bom para nós e nós para ele. O medo de amar envolve também amizades, quando temos medo da intimidade com os amigos e nos limitamos a camaradagem, nunca nos abrindo ou fazendo confidências, nunca falando de coisas mais sérias, levando o que chamamos de amizade de maneira divertida e boa. Eis porque muitas vezes quando estamos tristes nossos supostos amigos não suportam isto, acham chato, não é isto que está no "acordo". O medo de perder o amor dos pais nos levando a atender aos desejos deles. Mas o pior medo, o de amar a si próprio que requer responsabilidade e sustentar o que se pensa e fala, independentemente de estar ou não agradando ao outro. 

Somos muito suscetíveis ao outro, o que ele pensa de nós, será que nos ama? e nos deixamos afetar muito por isto. E conseguir se libertar disto é uma liberdade imensa. 

O amor de nosso protagonista do livro não envolve sexo, por mais que estejamos num bordel, mas envolve a pulsão sexual da vida e tudo que isto acarreta e que é o viver sem medo de amar. Amar o outro sem esperar nada dele, uma vez que esta jovem não irá lhe retribuir o amor que ele sente. 

Ler ou ver filmes sobre a velhice nos ensina e muito para um momento em que teremos que nos ver com isto também, e por outro lado nos leva a respeitar nossos idosos e a nos lembrar que apesar da idade eles estão vivos, desejam, são seres humanos. O que envelheceu foi o corpo. 

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