terça-feira, 25 de julho de 2017

A DIFÍCIL TRAVESSIA DA LIBERTAÇÃO DO OUTRO

Desde pequenos fazemos de tudo para ser amados, e isto nos condiciona a sempre querer agradar ao outro para ser amado. Pensamos que sendo bonzinhos, prestativos, atenciosos garantimos este amor. 

Claro que ser bom, prestativo e atencioso é importante, mas tem um limite. E este limite é o que chamo de meu território, meu espaço e o respeito ao que eu sou e desejo. Mas como é difícil colocar os limites neste território. Até os animais fazem isto, tem seu território e seus limites. E mesmo um cachorro, que ama incondicionalmente, quando algo lhe desagrada ele pode não reagir ao seu dono, mas nós percebemos que ele não está gostando. 

Mas nós estamos sempre querendo o reconhecimento, o amor do outro, queremos ser elogiados, admirados, temos medo de desagradar ao outro, temos medo que o outro nos vire as costas. Trazemos em nosso inconsciente esta dependência infantil, do bebê humano que depende do outro para sobreviver, do desejo do amor dos pais que iremos reproduzindo e projetando durante nossa vida adulta. 

E mesmo que racionalmente saibamos que o outro que nos ama, ama com todos os defeitos também, do contrário não é amor, quem disse que agimos de acordo com isto. Quanta dificuldade para se posicionar e não sentir mal estar, culpa. Mesmo fazendo isto muitas vezes voltamos atrás, damos o braço a torcer, e achamos que valeu a pena, pois o outro voltou a sorrir para nós. 

Mas nestas relações há um gozo de ambos os lados. É o famoso sadomasoquismo. O que goza por ter autoridade sobre o outro e o que goza ao sofrer com isto. E o mais interessante é que buscamos relações assim sem o perceber. 

O caminho para a libertação disto e de poder suportar que uma relação de gozo se rompa no momento em que nos libertamos é longo. Sim, porque o mais provável é que realmente o outro vai deixar de "gostar" de nós, porque ele também precisa desta relação neurótica de estar por cima, de achar que é amado porque sabe tudo, porque é a autoridade, ou seja, o pai ou a mãe. 

Muitas mulheres buscam amigas que eu chamo de "grandes mães". É aquela que sabe tudo melhor que você, que sempre tem razão, que te critica sem parar, que dificilmente te fará um elogio, e que quer acima de tudo que os desejos dela sejam realizados e não os seus. Uso o termo mãe porque falo de uma mãe imaginária que criamos dentro de nós. Aquela mãe que achamos que nunca conseguimos conquistar o amor como queremos. Aquela mãe que achamos que nunca está satisfeita com o que fazemos e vive nos cobrando mais. 

Mas você vai percorrendo o caminho da libertação e chega um dia que consegue. Neste momento é quase 100% certo que esta amiga irá se afastar. Não fará mais sentido para ela ter sua amizade, porque ela também vive a relação neurótica com você. E isto acontece em muitas relações, casamentos, com chefes etc. 

Quantas vezes você não conseguiu dizer não? quantas vezes se calou mesmo discordando? quantas vezes pediu desculpas mesmo achando que não devia? quantas vezes ficou de cabeça baixa diante do outro para depois se remoer de raiva? quantas vezes deixou de fazer algo que queria porque o outro criticou ou desprezou o que você desejava? quantas vezes você sentiu sarcasmo ou deboche na voz do outro e isto te incomodou profundamente? 

E nem sempre este outro o faz por inveja ou maldade. É realmente aquele lugar de grande mãe que deseja que o filho ou filha seja médico e este resolve ser bailarino. É o lugar da mãe que sonha com um casamento com alguém de alta posição social ou intelectual e você se apaixona por um hippie. Nas amizades isto também funciona assim. Sua outra grande mãe deseja que você siga por um caminho que na opinião dela seria o melhor, ela quer te moldar à imagem dela, e age desta forma. E se você "escorregar" pronto, vem a crítica, o deboche, o sarcasmo. Você já não corresponde mais ao ideal dela. 

E penso que realmente buscamos estas grandes mães para poder fazer a libertação. Projetamos nestas pessoas aquilo que está dentro de nós, em nosso imaginário. Claro que sempre as encontramos e quase sempre serão assim, até o dia em que você se libertar e perceber que existem outras pessoas que já se libertaram disto também e serão capazes de respeitar as diferenças, o desejo do outro, e te apoiar em vez de criticar. 

Acontece também de no momento que você rompe isto o outro também sofra uma mudança, afinal a projeção dele também sobre um abalo, e com isto a relação ser possível de ser mantida. Mas o mais comum é que se rompa neste momento. Dificilmente os dois estarão traçando o mesmo percurso em busca de uma libertação. Por que ser a grande mãe também é uma prisão, é não ser capaz de respeitar o outro como um ser único com suas singularidades e diferenças. É querer que o outro atenda aos seus desejos e com isto invadindo o outro, se transformando em uma grande sombra em cima do outro. 

A satisfação e o bem estar que gera poder finalmente ser quem você é, fazer o que deseja, suportando as críticas ou desaprovações do outro, suportando afastamentos que isto irá provocar, mas ao mesmo tempo abrindo novas oportunidades e novas relações, de finalmente poder ter um gozo saudável, de algo que lhe traz prazer e satisfação, tudo isto não tem preço. 

Quando estamos libertos o reconhecimento e o elogio tem outro sentido, é a valorização do que você é ou fez, não um prêmio de amor ou consolo, do tipo mamãe gostou, que bom, ela me ama e mamãe fica feliz porque você fez algo que ela gostou ou queria que fizesse. Quando estamos libertos já não precisamos brigar com unhas e dentes para fazer o que desejamos, podemos fazer, e no máximo rosnamos para afastar quem quer invadir ou ocupar este espaço dentro de nós, como um alerta, pode parar, não vou fazer o que você acha que devo fazer. 

Agora esta libertação requer maturidade e responsabilidade. Requer a capacidade de arcar com as consequências do que você faz ou é. E este é o ponto crucial a ser atravessado. Ter a coragem para isto. Nada de correr para o colo do outro se der errado, esperando que o outro resolva para você o que fez. Buscar uma palavra amiga ou apoio é uma coisa, mas querer que o outro assuma seu erro é que não pode. Você tem que ser capaz de rir inclusive de seus erros ao invés de chorar. Aceitar que erramos, que não deu certo, avaliar e analisar o que foi que aconteceu ao invés de se culpar ou querer receber um consolo do outro. Se for preciso fique quieto alguns dias, até pode chorar para aliviar a frustração. Depois respire e aja, faça algo, mude, esqueça, transforme, desista, mas não antes de analisar tudo. 

Esta libertação requer que não desejemos envolver o outro conosco para dividir com ele a responsabilidade, ou pior, fazer com que ele arque com isto. Precisamos ter a coragem de fazer e assumir, de ser e assumir. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário