terça-feira, 6 de junho de 2017

FEMININO NATUREZA X CULTURA



Em minha busca por leituras, filmes e estudos sobre o feminino com a pretensão de um dia escrever um livro sobre este tema, tenho encontrado muitas coisas interessantes. 

Não se trata de forma nenhuma de algo feminista, pelo contrário, não estou em busca de igualar ou diferenciar a mulher do homem, mas de encontrar o feminino por si mesmo, como sujeito, como ser e existir, ou seja, como equivalentes sem ser iguais. 

Nestas andanças comecei a questionar a questão da passagem da natureza para a cultura com a proibição do incesto,  que segundo antropólogos, principalmente Claude Lévi-Strauss, seria o momento da passagem para a linguagem, deixando para trás o aspecto da natureza carnal, selvagem, natural, e a entrada no social. Sem discutir a validade desta questão para a antropologia e também para a psicanálise,  tenho notado que talvez esta visão acabou levando a uma posição do homem como superior, principalmente quando se estuda a história da mulher no mundo e a sua opressão, submissão, e colocação como o outro, o segundo sexo como disse Simone de Beauvoir, levando a mulher a ter que lutar por direitos, para poder estudar, até mesmo para poder ler e escrever, como foi com Sóror Juana Inés de la Cruz. Com este ato muitos a consideram masculinizada, o que ela não foi,  mas foi no social e na cultura da época, pois livros era o mundo dos homens. 

Vejam o que diz Serge Moscovici sobre a passagem da natureza para a cultura:

"O universo masculino e o universo feminino deslocam-se ao longo de duas órbitas distintas, em direções opostas. Os homens vivem num mundo de símbolos, as mulheres num mundo de valores; aqueles conhecem o casamento através da aliança, estas a aliança através do casamento; para eles o parentesco é um meio, para elas é um fim. A proibição do incesto marca a passagem da natureza para a cultura, mas ela é também a passagem de um estado em que o mundo feminino e o mundo masculino eram equivalentes a um estado em que este tem precedência sobre aquele (grifo meu), e que marca com um sinal positivo tudo o que nele se inclui e com um sinal negativo tudo o que dele está excluído." (in Elogio da diferença o feminino emergente - Rosiska Darcy de Oliveira). 

A questão é que quais seriam os modelos, as referências para uma mulher ser equivalente ao homem, e não superior ou inferior ou igual? 

A mitologia pode nos ajudar, é o que encontrei no livro de Joseph Campbell - "Deusas Os mistérios do Divino Feminino", e também as lendas e contos podem nos ajudar, o que vamos encontrar no livro de Clarissa Pinkola Estés - "Mulheres que correm com os lobos". Sempre é bom lembrar também que os Contos de Grimm foram alterados, mas já temos uma edição que recuperou os originais destas histórias. Estés também escreveu um livro sobre estes contos. 

Antes da religião temos a mitologia, os deuses, que serviam para guiar nosso psiquismo, davam respostas ao caos e ao que não se compreendia. Todas estas histórias não devem ser levadas ao pé da letra, mas segundo seu significado simbólico. São instrutivas, e alimentam nossa alma, nosso psiquismo. 

Campbell nos diz em seu livro sobre as Deusas - "Muitas das dificuldades que as mulheres enfrentam nos dias atuais decorrem do fato de estarem adentrando um campo de ação no mundo que antes estava reservado aos homens, e para o qual não há modelos mitológicos femininos. Em consequência, a mulher se vê num relacionamento competitivo com o homem e nele pode perder o senso de sua própria natureza. A mulher é algo por direito próprio..." (pg. 17). E ele continua - "O desafio do momento - e há muitas que o estão enfrentando, aceitando e reagindo de modo feminino e não masculino - é o desafio de florescer como indivíduo; nem arquétipos biológicos nem personalidades que emulam o masculino." 

Agora retomo meu  post anterior com a Vênus que fiz em argila. A Vênus é a representação do feminino no Paleolítico. Há lendas antigas onde os homens assassinam as mulheres por serem detentoras do poder mágico ( vida e morte) para se apropriarem deste conhecimento. Esta magia é da natureza, dar a vida e nutri-la. 

Agora vejam este trecho do livro de Campbell - "Na visão antiga a deusa Universo estava viva, ela mesma constituía organicamente a Terra, o horizonte e os céus. Agora ela está morta, e o universo não é mais um organismo, mas uma construção na qual os deuses repousam cercados de luxo, não como personificações das energias pelo seu modo de agir, mas como inquilinos de elite, que precisam ser servidos. E o Homem, portanto, não é uma criança nascida para florescer em conhecimento de sua própria porção eterna, mas um robô concebido para servir. " (grifos meus). 

Mais adiante no livro de Campbell vamos encontrar - "É esse o principal papel mitológico do princípio feminino. A mulher nos dá à luz fisicamente, mas é também a Mãe de nosso segundo nascimento - nosso surgimento como entidades espirituais". Eis a passagem da natureza para o espiritual que é muito mais plena e sem submeter a ninguém - A mulher nos dá a vida, nascemos de forma natural, mas haverá um momento onde haverá o despertar do espiritual, "... e não aquela que apenas imita o mundo das necessidades animais, dos impulsos eróticos, de poder e do sono". Uma vida acima do nível "do alimento, do sexo, da economia, da política e da sociologia", 

A mulher representa o despertar. E Campbell vai além, falamos muito da separação da mãe, principalmente em psicanálise, e mesmo na linguagem popular - cortar o cordão umbilical, agora vejam isto - havia rituais muito antigos, como se pode ver na Caverna nos Pireneus - Les trois frères - onde há um longo canal que chega a um grande recinto " os meninos deviam passar por este canal do parto simbólico - nascendo não de suas mães pessoais, mas da Mãe Universal transpessoal, que leva cada um de nós a maturidade". Ou seja, novamente a mulher é o despertar e quem separa os filhos da mãe físicas e os transforma em filhos da Mãe cósmica. Isto, apesar do processo ser o mesmo, é muito diferente do corte feito pelo pai com a Lei. 

O princípio masculino está ligado à sociedade, o feminino opera como si mesma, a partir de si. E aqui é importante ressaltar que não se trata de subjugar o masculino desta vez, pelo contrário, mas que ambos os princípios precisam estar presentes. O pai é o iniciador do social, e neste aspecto a passagem da natureza para a cultura está correta, mas a mãe representa a própria vida, ela revela, é o aspecto espiritual, é a passagem da natureza para o espiritual. Aqui temos equivalência em suas diferenças. O masculino é a aliança no social, o feminino é o elo entre dois mundos. 

Quando ficamos apenas no princípio masculino há falta, há desequilíbrio. O mundo de hoje que estamos vendo, percebemos que algo não deu certo, é muito claro isto. Há a falta do princípio feminino, que está presente, mas ainda é insuficiente. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário