domingo, 28 de maio de 2017

EM BUSCA DO FEMININO



Pina Bausch 

Venho pensando muito no feminino. Nos anos 80 fui feminista, não daquelas radicais, porém eu apoiava os direitos iguais de cidadã, o voto, salários, o divórcio, o direito ao seu corpo, as possibilidades de profissões, a liberdade da mulher. Mas permaneci sempre com a ideia de que a mulher não é e nunca seria igual ao homem, nem almejei isto. 

Esta fase do feminismo trouxe um alto preço para a mulher que tinha dupla ou tripla jornada, que teve que endurecer e ter uma postura masculina de não chorar, de ser fria, racional, abrir mão da maternidade quando o desejava em prol de sua profissão, de ter um companheiro ou casar. Claro, há muitas mulheres que optam por não ter filhos e não se casar, mas se isto for uma escolha dela está tudo certo, o problema é quando se trata de uma imposição que lhe vem de fora. 

Veio a fase das diferenças, das alteridades com os mesmos direitos, mas o preço foi pago e permaneceu. Muitas mulheres não se dão conta do quanto estão masculinas em suas ideias e linguagem. E aí temos um problema profundo e difícil - a linguagem. 

Sempre parti do princípio que aprendemos a pensar através dos outros, e com qual linguagem? a masculina que domina o mundo e nem nos damos conta disto. Estou lendo um livro que ganhei de uma amiga,  "A guerra não tem rosto de mulher" da ganhadora do prêmio nobel Svetlana Aleksiévitch onde ela nos diz exatamente isto - as mulheres também viveram a guerra, mas não falam e quando falam usam o cânone masculino. O que ela faz neste livro é maravilhoso, apesar do tema, ela busca a voz feminina, o olhar feminino da guerra e para isto evita inclusive mulheres mais instruídas, intelectuais devido justamente à linguagem. Ela vai atrás de mulheres camponesas, cozinheiras, enfermeiras, e aos poucos consegue que elas falem. Mas consegue porque agora elas já estão idosas, já adquiriram uma certa liberdade que a idade nos oferece e querem falar, falar do que sentiram, do que viram, de como seu corpo reagiu a tudo aquilo, do que marcou e criou traumas. Recomendo a leitura. 

Freud dizia que a mulher é um continente negro. Partindo de um homem, ainda mais no século XIX, não vejo nada de absurdo no que ele diz. Neste tempo a mulher já havia sido sufocada, relegada a um segundo plano, um ser inferior. Até mesmo Simone de Beauvoir com o "Segundo Sexo" se baseia em autores masculinos para falar da mulher. Onde está a voz da mulher??? 

Comecei a me interessar por isto faz uns cinco anos. Primeiramente me chamou a atenção as místicas e as beguinas. As beguinas eram mulheres que não desejavam se casar e tampouco entrar para um convento, numa época onde estas eram suas opções, além de ficar em casa para cuidar dos pais. Elas queriam ter uma vida, mas sem estas imposições. No meio delas surgem algumas místicas. Mas o que chama a atenção é a linguagem da mística, algo profundamente feminino. Mesmo quando se trata de São João da Cruz, é seu lado feminino que fala. Sim, porque todos nós temos os dois lados em nós. 

Iniciei uma pesquisa em busca de vozes femininas e fui encontrando várias. Não sei se elas percebem isto ou não, mas o fato é que é uma linguagem diferente, seja na escrita, na expressão através da arte na pintura, na dança, na escultura etc. Elas deixam o feminino vir a tona, e por favor, elas não são frágeis, do lar, recatadas e bonitas. Não se trata disto. 

Há um polêmica muito forte quando se trata de falar sobre o que é feminino, principalmente tenho visto isto na literatura, por exemplo. Penso que isto está baseado em esterótipos, ou seja, de que dizer que uma literatura feminina é melosa, cor de rosa, romântica. Seria como classificar esta literatura como inferior. Não estou falando disto, porém compreendo esta posição em relação ao termo, uma vez que nossa sociedade realmente vai interpretar desta forma. Ainda não alcançamos o ponto onde o feminino e o masculino são aceitos como iguais em suas diferenças. Não como complementares, nem como opostos, mas sim, como ambos pertencendo a este planeta na mesma posição do que vamos chamar de hierarquia sem haver superior ou inferior, mas sendo diferentes. Sem haver a necessidade da mulher e do homem provarem nada. Sem lutas, sem dicotomia classificatória, sem a posição onde a mulher estaria mais próxima a natureza e o homem da cultura e por isto precisa ser domada e controlada. 

O empoderamento busca trazer a mulher a tona, mas eu pessoalmente acho infeliz o termo usado. Ele me causa ojeriza, não se trata de poder, mas de Ser e Existir. Mas, talvez justamente devido à linguagem masculina dominante este termo seja necessário. Principalmente para poder trazer muitas mulheres ainda subjugadas à vida, mulheres que sequer foram levadas em consideração pelo próprio feminismo que era voltado para mulheres brancas e muitas vezes conduzidos por mulheres burguesas. Mulheres negras, indígenas, latino-americanas,asiáticas que foram deixadas de lado, sem falar nas homossexuais. O foco do feminismo foi a mulher branca ocidental e hétero. 

Mas meu intuito não são as questões sociais ou políticas, mas a linguagem. Qual é a linguagem feminina? qual é a voz da mulher? como ela vê o mundo? o que pensa sobre ele? Como o define? o que diz sobre ele? e sobre si mesma?. 

Algumas mulheres já estão em evidência neste percurso, mas eu gostaria de encontrar outras. Por enquanto foco em Sóror Juana Inés de la Cruz, uma mulher que precisou entrar para um convento para poder escrever no México do séc. XVI, filha natural de um pai basco e mãe mexicana, era uma mente brilhante e escrevia poemas esplêndidos. Octávio Paz nos brindou com um belíssimo livro sobre ela, e atualmente a Netflix colocou no ar uma minissérie sobre sua vida. 
Louise de Bourgeois me atrai com sua arte onde ela expressa seu inconsciente. Pina Bausch com sua dança que para mim é extremamente feminino na dor, na submissão, no sofrimento, em todos seus gestos, no seu corpo. 
Penso em Maria Gabriela Llansol como escritora, Laura Esquivel também, Marguerite Duras nos oferece textos maravilhosos e com uma linguagem absolutamente feminina, foi a mais bela descrição de angústia que li até hoje em seus "Cadernos da Guerra",  Clarice Lispector já é mais conhecida, assim como toda a arte de Frida Kahlo, Camille Claudel, e várias outras. Hoje encontrei uma pintora - Lena Gal dos Açores que me interessou. Continuo minha busca, desejo escrever sobre elas e aprender com elas para também me libertar este domínio da linguagem masculina. 


 Lena Gal - "Dor Silenciosa"

 Louise Bourgeois 
Sóror Juna Inés 

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