quarta-feira, 29 de outubro de 2014

LIVRO: A MULHER PERDIDA - TIM WINTON - Aprender a viver com as perdas


Winton, Tim. Paz e Terra, 2009
439 páginas
Tradução: Juliana Lemos
Título original: The Riders

Comprei este livro por ser uma história que nos leva a ver que nunca podemos conhecer o outro, e nem a nós mesmos, pois diante de situações que surgem e que fogem ao conhecido podemos ter ações e reações totalmente inesperadas. E também sobre a dificuldade que temos diante de perdas e das escolhas que os outros fazem.

Sobre o livro eu postei no meu outro blog: http://cantodaleitur.blogspot.com.br/

Aqui vou falar sobre o que senti e o que aprendi neste banquete que é este livro.

Quando Scully vê que sua filha chega sozinha e sua mulher não veio junto ele começa a encontrar todo tipo de desculpas para isto ter acontecido e todas a favor de sua esposa Jennifer. Billie, sua filha, não diz nada. Fico na dúvida se ela quer poupar o pai ou se está em choque também, afinal é sua mãe que os abandonou.

Scully não aceita ver a realidade, Jeniffer os abandonou. É interessante ver que alguns, principalmente os apaixonados, como é o caso de Scully, procuram motivos que absolvem o outro e também não conseguem ver suas próprias falhas, encontrando para elas também razões, e no caso da história ele sempre se vê fazendo tudo para agradar a sua esposa, para deixá-la feliz, e com isto acredita que eles eram felizes.

Por outro lado temos aqueles que diante de algo assim, mesmo que possa ter havido uma razão e não ser abandono, imediatamente iriam pensar, imaginar as piores coisas e se colocariam no lugar de vítima e taxariam o outro de injusto. Qual a diferença entre estes dois tipos de reações? Ambas são ilusórias e imaginativas, sendo que esta última antecipa um gozo de dor. O fato é que se ela não veio há uma razão, mas diante disto, sem nenhum comunicado ele poderia ter uma reação diante da realidade, ou seja, comunicar à polícia por exemplo que não tem notícias de sua mulher que deveria chegar junto com a filha.

E se ele não faz isto é porque no fundo ele sabe a verdade que não quer saber e para chegar a ela irá mergulhar num inferno. Ele resolve então ir procurar sua mulher. Vai para a Grécia, Itália, Paris, Amsterdã, levando sua filha junto.

Há certos indícios que aparecem e que ele nega ver, como por exemplo, porque ela não depositou o dinheiro da venda da casa na conta conjunta, mas abriu outra e lhe mandou um cheque com um valor apenas para necessidades?

Quando estamos apaixonados enxergamos tudo, menos a realidade. Enxergamos o que desejamos ver, o que desejamos que seja. E nos enganamos sobre o outro pensando que o conhecemos. Queremos confiar neste ser amado e pensamos que nunca será capaz de nos trair. Esta confiança é algo que vem da infância, onde tínhamos a mesma confiança cega em nossos pais e dependíamos deles para sobreviver e também do amor deles.

Scully está tão obcecado que qualquer reação das pessoas lhe parece que estão escondendo algo, como acontecia com o médico no livro a Origem do Mundo sobre o qual irei falar também aqui no blog. Ele pensa que todos sabem e não querem lhe dizer. Começa a ter ações patéticas e incompreensíveis como colocar em risco sua filha numa travessia marítima com o mar bravio e tratar seus ferimentos após ela ser mordida por um cachorro ele mesmo.

O silêncio de Billie também é angustiante. Ele a descreveu como uma criança alegre, inteligente e muito falante. E ela não fala quase nada. Cheguei a me perguntar se é ele quem não escuta ou ela não fala mesmo, porque ela sabe a verdade, e talvez ele não queira ouvi-la. Prefere continuar com sua busca insana. Ele não tem nenhuma atitude no real, continua divagando na ilusão e no imaginário.

Scully irá ao inferno até aceitar a realidade e voltar para sua casa com sua filha. Esta viagem que ele faz no livro para vários lugares também poderia acontecer dentro dele mesmo sem sair de onde estava. Ele precisa confrontar seus fantasmas, medos, inseguranças e aprender a ser sujeito se libertando do desejo do outro.

Billie é uma criança de sete anos que de repente amadurecerá antes da hora, mas será ela quem irá resgatar seu pai. Ela o compara a Quasímodo, o corcunda de Notre Dame, pois Scully não é bonito, é grandão, tem uma cicatriz no rosto, mas tem um bom coração.

Quando nos damos conta de que somos capazes de fazer coisas que jamais teríamos pensado fazer é que percebemos que não conhecemos nem a nós mesmos quanto mais ao outro. O que levou Jennifer a abandonar a família não é contado no livro, ele foca em Scully e Billie e dá algumas informações sobre Jennifer a partir dos outros, o que nos leva a pensar ao final do livro que são apenas suposições e que talvez estejam bem longe do real de Jennifer.

Aceitar que o outro não pensa ou se sente igual, como no caso de Scully que achava que ao fazer tudo que ela desejava ela era feliz. Ele que se satisfazia com pouco acreditou que o mesmo ocorria com ela, mas talvez não fosse assim.

Quantas vezes nos iludimos dando respostas e desculpas para o que alguém nos fez, procurando compreender o porque ao invés de olhar para si mesmo e se perguntar como isto me afeta e o que posso fazer para sair deste sofrimento. Não podemos mudar o outro nem podemos saber o que o outro pensa ou deseja, mesmo quando ele nos fala, nem sempre é a verdade, as vezes nem o outro mesmo sabe a verdade.

Se no primeiro momento Scully dá mil desculpas para o abandono no segundo ele quer saber porque ela fez isto. E ficará sem saber, como tantas vezes acontece na vida.

O livro me lembrou uma psicanálise, quando se passa durante um tempo através de todos os traumas, fantasmas, desejos, e se vai ao fundo o que muitas vezes produz sofrimento mas se sai do outro lado se sentindo outra pessoa, mais consciente, e sabendo que nem tudo é perfeito, que nós somos imperfeitos e que carregamos em nós mesmos o bom e o mau, que somos capazes de ser cruéis, de fazer coisas a si mesmo e ao outro que pensávamos ser incapazes. A análise é uma viagem, assim como Scully que enfrentou tudo em uma viagem por vários lugares procurando por Jennifer para acabar encontrando a si mesmo.

Recomendo o livro.




Nenhum comentário:

Postar um comentário