quinta-feira, 23 de outubro de 2014

LIVRO: O SAL DA VIDA - aprendendo a sentir o existir.




Héritier, François. Valentina, 2012
Tradução: Maria Alice A. de Sampaio Dória
108 páginas
Título Original: Le sel de la vie

Sentido da vida e o viver - Pequenos prazeres 

O que faz a vida valer a pena! o que faz com que nos sintamos vivos! 

Este pequeno livro tem uma imensa sabedoria. O que é viver afinal? o que faz a vida valer a pena? como é que percebemos que estamos vivos? o que é existir afinal? 

Sempre pensamos que as respostas a estas perguntas se relacionam com as nossas realizações, sejam elas pessoais, sejam profissionais ou sejam as intelectuais, mas eis que uma intelectual nos brinda com um livro que nos diz que não é nada disto. Trata-se sim do simples sabor de viver, aquelas pequenas coisas, aquele momento, aquele instante que nos emociona a não poder mais, que nos faz rir, que nos deixa com raiva, que provoca ódio, que nos enoja, que causa medo, que causa fascínio, que nos dá pavor. 

É impossível colocar sal na boca e não ter uma reação que pode ser agradável para alguns ou desagradável para outros, mas este sentir, esta percepção é que nos mostra que existimos, que estamos vivos. E este existir está ao alcance de todos sem exceção. 

Muito se fala na busca de um sentido para a vida. Eu pessoalmente acredito que sentido tem que ser construído por cada um de nós. Agora o que nos faz sentir que estamos vivos? A vida por si mesma, viver, conjugar este verbo, não o substantivo. Como conjugar este verbo? 

Nosso corpo registra e através dos sentidos captamos o viver. É através da sensualidade do corpo, destes registros, destas marcas que ficam e que nos movem que podemos seguir em frente, e que sabemos o caminho, que nos tornamos capazes de sentir. 

Lendo este livro compreendi por que eu sinto às vezes uma nostalgia dolorosa, esta saudade melancólica, de um prazer imenso em algo tão frugal e banal, apenas uma lembrança rápida, sem muito contexto. Compreendi porque às vezes tenho sensações que chegam a ser uma angústia prazerosa. Por que fico fixa e presa a algo que me causa pavor, mas fascínio ao mesmo tempo. 

O cheiro da manhã, não há como definir, falar disto, como chamá-lo? que odor é este que entra pelas narinas e causa um prazer e dá vontade de fazer mil coisas? O barulho da água que acalma, que é bom para dormir. Olhar as nuvens no céu e pensar na imensidão que está acima de nós, mas também brincar em ver coisas nestas nuvens. 

O pavor e fascínio diante uma onda gigantesca no mar. Quando vou a Foz do Iguaçu e paro na frente das Cataratas meu olhar se prende naquela imensidão de água, me hipnotiza. E depois quando subo os degraus e vejo o rio manso antes de cair no abismo e formar as cataratas.

Mas também ver o beija-flor na minha janela bicando o papai noel que estava ali, ver uma planta nascer. Sentir o prazer de tomar um sorvete, comer uma torta de chocolate, o gosto do chocolate com café, a manteiga gelada no pão fresco. Colocar a mão na terra, sujar a mão, tomar um banho quente gostoso. Sentir os lençóis macios em contato com a pele, o peso do cobertor quando está frio.

Sentir raiva quando batemos o martelo no dedo, xingar muito. Ficar com ódio quando queimamos o arroz, ficar triste ao encontrar um passarinho morto no jardim, chorar quando assistimos um filme, gargalhar com uma cena bem idiota.

Héritier se lança nesta aventura da escrita ao receber uma carta de um professor que ela admira muito e que pede desculpas por estar de férias, mas que na verdade estava se desculpando por roubar sua própria vida, não aceitando que se pode e se deve viver sem ser engolido pelo dia a dia, pelos compromissos assumidos, pelas aparências, pelas obrigações, pelo dever, pelo trabalho, pela obsessão de ser perfeito e atender a tudo e a todos. Temos nossa vida a qual respondemos da melhor forma que podemos, seja em nossos relacionamentos, trabalho, amizades, engajamentos, mas temos que viver também, e não se deixar sufocar por tudo isto que também é importante, mas não menos ou mais que este tempero que encontramos nas pequenas coisas do dia a dia em toda nossa vida.

O que este livro nos mostra é como sentir o existir. Como apreciar a vida ao lado da construção de um sentido para ela. Nunca nos damos conta de que estamos vivos, que somos vivos, estamos sempre querendo viver a vida, mas a vida em si é algo vivo, é algo que atua, é um verbo.

Quando dizemos estou cansada da minha vida. Estamos sempre nos referindo as nossas frustrações, desencantos, ao que não deu certo segundo o que desejamos, mas não podemos nos cansar da vida que está em nós, esta está sempre pulsando, mesmo quando ao dizer que estamos cansados, vamos nos sentar num sofá, deitar na cama, chorar, e tudo isto é vida. Estamos sentindo algo, e isto é vida. 

Um livro de cabeceira! E há um espaço ao final do livro para colocarmos o nosso tempero.




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